Por Orlando Fontes Lima Jr. *
Qualquer operação de logística, quer seja uma grande exportação de produtos manufaturados ou uma rotineira operação de coleta e entrega urbana, envolve um volume muito amplo de transações e de informações. Um dos principais desafios dos transportadores e dos demais participantes das operações logísticas é gerir os diferentes fluxos envolvidos (mercadorias, dinheiro, informações e responsabilidades contratuais) de forma confiável, rastreável e com adequada visibilidade para os envolvidos.
São situações comuns no dia a dia destas operações: o dono da mercadoria realizando inúmeras consultas sobre a localização e o status de entrega dos seus produtos, a seguradora tentando rastrear as responsabilidades envolvidas em determinada avaria, conflitos entre embarcador, recebedor e transportador por divergências em pedidos, e por aí a fora.
As empresas, ao longo do tempo, foram desenvolvendo mecanismos de acompanhamento e controle buscando confiabilidade, visibilidade e rastreabilidade, mas estas atividades encarecem bastante as operações.
Agora tem a blockchain. Mas o que é blockchain? É uma nova tecnologia que além das conhecidas aplicações no mundo das moedas virtuais, tem grande aplicabilidade nas situações comentadas anteriormente. Uma boa definição é do Don & Alex Tapscott “ blockchain é um livro digital incorruptível de transações econômicas que pode ser programado para registrar não apenas transações financeiras, mas praticamente tudo de valor”.
Traduzindo, esta tecnologia permite gerenciar as diferentes transações (entregas, coletas, avarias, pedidos incompletos, acidentes, pagamentos, multas e etc.) ocorridas repetidamente ao longo da cadeia de suprimentos. Para isso, faz a anotação das transações em um arquivo digital inviolável e seguro que todos os envolvidos têm acesso instantâneo. Neste caso, quando o transportador entrega a mercadoria tanto o embarcador, quanto o segurador e a empresa de transporte tomam conhecimento.
A tecnologia blockchain (cadeia de blocos) organiza as informações de forma sequencial e tem algumas características que permitem garantir estas operações. As informações são criptografadas, isto é codificadas, dificultando o acesso ao conteúdo de pessoas não autorizadas. Estas informações uma vez geradas não podem ser mais alteradas e só tem acesso a estes registros quem obedecer a um conjunto de regras acordadas (Consensus). Não existe um operador central e todos acessam tudo (P2P Network) e são fiscalizados por verificadores, conhecidos também como mineradores, que auditam e geram as codificações necessárias para dar segurança a rede.
Várias aplicações começam a surgir pelo mundo e utilizam diferentes plataformas computacionais como Ethereum, HyperLedger Fabric, R3 Corda, Ripple e Quorum. Cabe destacar que uma dificuldade é a de integrar sistemas de diferentes plataformas.
Muitas são as aplicações potenciais em logística e supply chain, mas hoje ainda a maior parte são operações piloto para avaliação de resultados. As cadeias de suprimentos que envolvem produtos certificados ou com exigências específicas de manuseio e processamento tem um potencial grande de uso da blockchain. Por exemplo, na rastreabilidade das cadeias de Cannabis Medicinal nos países que adotaram esta sistemática como vem acontecendo no Canadá e em breve deverá ocorrer no Brasil. Outros produtos como vinhos, carnes e orgânicos também começam a avaliar esta tecnologia.
Um diferente grupo importante de aplicações estão relacionados ao varejo e a necessidade de visibilidade de cadeias logísticas complexas. O WallMart vem adotando em várias operações e o AliBaba também. Neste caso, a complexidade está relacionada ao grande número de fornecedores e a utilização da blockchain aumenta a visibilidade das operações.
Um terceiro uso importante é para realização de transações financeiras e verificações de atendimento a regras contratuais. A tecnologia blockchain permite a criação dos chamados contratos inteligentes (smart contract) que realizam automaticamente o cumprimento das regras acordadas nas operações e podem disparar ordens automáticas de pagamentos. Caso sejam utilizadas moedas digitais estes processos são realizados em tempos significativamente menores que os processos atuais de verificação e pagamentos. Um exemplo importante deste uso está relacionado as experiências quem vem sendo realizadas pela Maersk em operações globais de contêineres.
Como toda nova tecnologia, a blockchain está chegando devagar e ainda é uma aposta. Se der certo pode ter um efeito disruptivo muito grande nas operações logísticas e de transportes.
* Orlando Fontes Lima Júnior é o fundador e coordenador do LALT – Laboratório de Aprendizagem em Logística e Transportes, um dos mais importantes do Brasil na área de Inovações disruptivas em Logística, que realiza pesquisas e desenvolve conhecimento aplicado em IoT Logistics, Blockchain, Supply Chain Analitycs e Urban Logistics, além de professor da UNICAMP, atuando sempre na interface da academia com o mercado.
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