Paulo Antonio Skaf fez carreira no setor têxtil. Foi eleito em 2004 para assumir a presidência da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), passando, também pela liderança do CIESP, SEBRAE-SP, SENAI-SP e SESI-SP. Concorreu as eleições para governo de São Paulo em 2010, 2014 e 2018. Agora, em 2022, após quase duas décadas, deixa a presidência da maior entidade empresarial do Brasil. Em conversa com a revista SETCESP, ele listou os principais desafios que as empresas enfrentam no país.
Temos três “reformas” em discussão: tributária, administrativa e política. Na sua opinião, qual tem maior impacto para o país e deve ser priorizada? Por quê?
As três reformas se destinam a solucionar problemas distintos e todas são essenciais à sua própria maneira. A reforma tributária busca a melhoria do sistema tributário atual, que é excessivamente complexo e burocrático e prejudica a competitividade de toda a economia brasileira. A reforma administrativa é necessária para que os gastos estatais sejam sustentáveis e que o estado deixe de gastar mais do que arrecada, incorrendo no aumento da dívida pública, taxas de juros elevadas, entre outros efeitos nefastos decorrentes do déficit público. Já a reforma política pretende melhorar o sistema representativo, principalmente no Congresso, para que reflita de forma mais adequada as opiniões da sociedade.
Embora todas sejam necessárias na atual situação econômica do país, que se recupera da crise provocada pela pandemia, com alto nível de desemprego, inflação e taxas de juros em movimento de alta, é preciso que foquemos nas reformas com maior impacto econômico já no curto prazo, que é o caso das reformas administrativa e tributária. Ainda, entre estas duas, faz sentido que se comece pela administrativa, pois somente assim, teremos a real dimensão do desafio fiscal no futuro e poderemos calibrar com maior precisão a carga tributária necessária para o bom funcionamento dos governos e que, ao mesmo tempo, reduza o peso dos impostos sobre a sociedade civil.
Quais são os melhores caminhos para uma verdadeira reforma que possibilite a redução da carga tributária no país?
Nosso sistema atual é complexo, ineficiente e gera custos adicionais para as empresas e consumidores, através de diversas distorções como alta carga tributária, cumulatividade e incidência em cascata, regressividade, oneração de exportações e investimentos e tributação na origem, resultando em guerra fiscal entre os entes federados.
Qualquer reforma tributária que procure melhorar o ambiente de negócios no Brasil precisa passar, necessariamente, pela diminuição da complexidade e burocracia do sistema atual, sem aumento de carga tributária, de forma que a competitividade da economia como um todo possa aumentar.
Quais são as consequências para as empresas e consumidores, caso haja um eventual aumento na carga tributária?
Um aumento de carga tributária penaliza tanto as empresas quanto os consumidores. Para as empresas o aumento de carga significa custos maiores, por conta do preço dos insumos, e perda de competitividade, via repasse de parte desse aumento de custos para o preço do produto final. Já para o consumidor o aumento de carga se traduz em perda do poder de compra, uma vez que, haverá repasse dessa alta no preço dos produtos consumidos.
Acredita que há espaço para uma reforma administrativa mais profunda do que a que se desenha atualmente? O que, de fato, deveria ser mudado?
Acredito que uma reforma administrativa efetiva deva aproximar as condições de trabalho no serviço público daquelas verificadas no setor privado. A reforma proposta atua nesse sentido ao submeter os servidores públicos à avaliações periódicas, com metas objetivas, inclusive com consulta direta aos usuários do serviço público e regras claras de processo administrativo em caso de repetidas avaliações negativas.
A proposta também proíbe concessão de férias superiores a 30 dias pelo período aquisitivo de um ano, concessão de licenças decorrente de tempo de serviço, privilégios que encarecem o funcionalismo público e que não resultam em melhoria dos serviços prestados.
Também, ao possibilitar a regulamentação por Lei Complementar da política remuneratória, de benefícios e de progressão na carreira, a reforma abre espaço para que os governos executivos ajam no sentido de reduzir o salário inicial das carreiras, aumentar o tempo para promoções e reduzir a taxa de reposição dos servidores, medidas que poderiam gerar uma economia advinda acumulada de R$ 128 bilhões em dez anos, dividida entre R$ 57 bilhões relativos à União, e R$ 71 bilhões relativos aos Estados.
Sendo um representante do setor privado perante os órgãos políticos, o que é necessário ser feito pelo Estado para garantir a recuperação das empresas e preservação de empregos?
Estamos passando por anos atípicos devido à pandemia do coronavírus, nos quais o Governo Federal desempenhou um papel fundamental na manutenção da economia com a aplicação de medidas de impacto fiscal elevado, como adoção do auxílio emergencial, flexibilização de contratos de trabalho e adiamento de recolhimento de impostos.
Após os esforços exigidos pela pandemia, será essencial retomarmos as reformas fiscais que garantam a sustentabilidade do Teto dos Gastos e do equilíbrio das contas públicas.
A retomada da agenda de reformas deve ser o norte para que o Brasil não perca as conquistas dos juros baixos e inflação controlada, e para que, a economia volte a crescer e gerar os empregos dos quais o País tanto precisa.
Qual a sua avaliação do andamento das privatizações e concessões no Brasil? Quais são as questões que podem dificultar a execução do Programa Nacional de Desestatização – PND?
O programa de concessões do Ministério da Infraestrutura vem sendo conduzido muito bem. A lei da privatização da Eletrobras foi aprovada e, embora haja algumas correções necessárias no modelo, o processo já está em andamento. Também estamos discutindo a privatização dos Correios, já foram aprovados o marco legal do gás, do saneamento, das telecons e, no final do mês de agosto, foi editada a MP das ferrovias.
As deficiências na infraestrutura são, historicamente, um entrave ao ganho de competitividade do Brasil. Como isso reverbera para a indústria do País?
As despesas de transporte, manutenção da frota e armazenagem representam uma fração relevante dos custos das indústrias e dos exportadores. As limitações na infraestrutura logística, como a saturação da capacidade e a precária conservação de grande parte das rodovias e vias de transporte urbano, acarretam para o produtor brasileiro custos bem superiores aos que são arcados por indústrias instaladas em países com melhor infraestrutura e distribuição. No estudo Carga Extra na Indústria Brasileira, realizado pela FIESP, verificou-se que as deficiências de logística representam 1,8% do preço dos produtos industriais no Brasil.
Quais são os desafios na interlocução de pautas de grande interesse para a modernização do País com o Poder Público?
Nós, do setor privado, estamos acostumados a tomar uma decisão e implementá-la na sequência. No setor público o processo de tomada de decisão é mais complexo, pois envolve vários agentes, interesses difusos e possibilidade de contestação de diversas instâncias.
Este processo, no entanto, é essencial dentro do sistema democrático e próprio da política. A negociação, discussão pública e o amadurecimento de ideias garantem a participação ampla da sociedade e possibilitam uma tomada de decisão melhor para o país. Temos que ter paciência para implementar mudanças nas estruturas sociais, políticas e econômicas para que o processo seja feito da melhor forma possível.
Com relação a reoneração em folha a partir de dezembro, qual será o impacto para o setor industrial?
Penso que o momento é terrivelmente inoportuno para promover esta mudança, que na prática, resultará em aumento de impostos sobre as empresas, que ainda passam por problemas para se recuperarem do choque promovido pela pandemia. Ainda, ao direcionar o tributo para a folha de pagamentos o Governo cria estímulo para que as empresas em dificuldades financeiras precisem recorrer ao enxugamento da folha salarial para diminuição de custos. Isso em um cenário de desemprego recorde com mais de 14 milhões de desempregados e mais 5 milhões de desalentados.
Entendo a necessidade de o Governo ajustar suas contas para conter o déficit público, porém esse movimento precisaria ser feito com a contenção de despesas, ao invés do aumento de receitas, quando a carga tributária já é tão alta no país.
Após 17 anos à frente da FIESP, qual marca pretende deixar de legado na Federação?
Acredito que o maior legado que vou deixar para a FIESP são as conquistas realizadas neste período, das quais destaco algumas, que me vem à mente: ter impedido o reconhecimento da China como economia de mercado, dadas as práticas anticompetitivas adotadas pelo país, barrar a recriação da CPMF, ter ajudado a acabar com a guerra dos portos e modernizá-los, reduzir imposto sobre a cesta básica, ter conquistado a redução de 20% na conta de luz, barrado o aumento de IPTU na cidade de São Paulo desde 2014, a modernização das leis trabalhistas, todo o trabalho realizado pela reforma da previdência e os trabalhos pela revisão da NR-12.
Além disso, o trabalho da FIESP não se resume a lutar em defesa da indústria, a entidade também gere o SESI e o SENAI de São Paulo e com isso eu tive a honra de realizar, também, muitos feitos nessas entidades, como a implementação do Ensino Integral e Médio, a articulação do SESI com o SENAI, fundação da Bachiana SESI/SENAI, em parceria com o maestro João Carlos Martins. A implementação do sistema SESI de ensino em 575 escolas estaduais e municipais em 46 municípios do Estado de São Paulo. Também me orgulho muito de ter devolvido à FIESP e ao CIESP o papel de protagonista político nas grandes decisões do Brasil, conforme era minha plataforma de campanha quando concorri à presidência das entidades.
Qual mensagem o senhor gostaria de deixar para os empresários do setor de transporte rodoviário de cargas?
Ser empresário no Brasil significa ser uma pessoa determinada e perseverante, pois a cada dia temos uma nova surpresa com regulações do governo, alterações no sistema tributário, nas regras trabalhistas e etc. Mas não nos damos por vencidos, somos pessoas obstinadas, práticas e realizadoras. Meu conselho para os empresários do setor de transporte rodoviário de cargas é para que continuem a acreditar no Brasil e a lutar todo dia nas suas empresas para a construção de um país mais próspero não só para nós empresários, mas para todos os brasileiros.
Crédito fotos : Everton Amaro/FIESP
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