Estudos comprovam que a reciclagem de pneus na manta asfáltica ajuda a melhorar obras de pavimentação no Brasil
*Por Prof. Dr. José Leomar Fernandes Júnior – EESC-USP
A decomposição total dos resíduos sólidos é um grave problema da sociedade moderna. E os pneus se destacam porque apresentam degradação lenta e quando acumulados de forma inadequada em lixões, margens de estradas por exemplo, constituem ambiente propício à proliferação de mosquitos, roedores e outros vetores de doenças. Além disso, podem entrar em combustão, causando incêndios que contaminam o ar e, mesmo quando dispostos em aterros sanitários, causam problemas em virtude do baixo grau de compactação.
Nos Estados Unidos a estimativa é de um pneu descartado para cada pessoa por ano. Na União Europeia estima-se o descarte de 0,6 pneu por pessoa/ano. Aqui no Brasil, o valor é um pouco abaixo da União Europeia.
A Resolução nº 258 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) estabeleceu o conceito de responsabilidade do produtor e do importador pelo ciclo total do pneu, cuja composição é, aproximadamente, 85% de borracha, 10% de aço e 5% de lonas, numa massa aproximada de 50 kg para um pneu de caminhão.
No entanto, há alternativas para reduzir os danos ao meio ambiente, como reutilização e reciclagem de pneus na pavimentação asfáltica. Para isso os pneus devem passar por um processo de corte, trituração e separação dos materiais.
Destaque para a pavimentação asfáltica como alternativa de reciclagem de pneus
A proposta precursora de pesquisa no Brasil sobre o assunto foi realizada em 1994 e propõe a incorporação da borracha finamente triturada ao asfalto, com a finalidade de melhorar o ligante asfáltico, produto mais caro e mais importante de uma mistura asfáltica.
O revestimento asfáltico é composto, em média, por 5% de ligante asfáltico e por 95% de pedra britada; um processo “seco”, com a utilização da borracha triturada em substituição a parte da pedra britada, ou seja, sem necessidade de um processo caro de processamento da borracha de pneus inservíveis, se não piorasse o pavimento, o ganho estaria no aspecto ambiental.
A finalidade da incorporação de borracha de pneus em um pavimento asfáltico é melhorar o desempenho, aumentando a rigidez a elevadas temperaturas, reduzindo a deformação permanente nas trilhas de rodas, aumentando a flexibilidade e retardando o aparecimento de trincas.
As pesquisas realizadas no Departamento de Engenharia de Transportes da Escola de Engenharia de São Carlos da USP (EESC-USP), iniciadas em 1994 e que durante anos não tiveram apoio algum dos órgãos de fomento à pesquisa no Brasil, sendo consideradas como “coisa de maluco” e que acabariam, no máximo, em uma dissertação de mestrado, resultaram nas duas primeiras teses de doutorado no assunto no Brasil.
Na pesquisa de Sandra Aparecida Margarido Bertollo, que estudou o “processo seco”, foram analisados os efeitos do teor de borracha, e o tempo de incorporação da borracha à mistura asfáltica. Foram realizados ensaios em laboratório e o primeiro trecho experimental no Brasil foi feito em 1997, em Santos. E, felizmente, foi possível incorporar borracha sem grande custo de processamento de forma a não piorar a condição do pavimento. Na verdade, foi conseguida até uma boa melhoria, ainda que não fosse esse o objetivo inicial.
Já durante a pesquisa de Sandra Oda, que estudou o “processo úmido” e que é a primeira tese de doutorado defendida no Brasil sobre o tema “asfalto-borracha”, foram analisados o tipo de borracha, o teor de borracha, o tamanho das partículas de borracha, o tipo de asfalto, a temperatura de incorporação ao asfalto e o tempo de reação para a incorporação. Foram utilizados ensaios para a avaliação do ligante asfáltico modificado por borracha de pneus. E os resultados mostraram fortes evidências de que o asfalto-borracha seria um produto capaz de não só ajudar a diminuir um problema ambiental como melhorar o desempenho dos pavimentos.
Quanto as temperaturas elevadas, no caso 64ºC, quanto maior o teor de borracha, melhor, porque há aumento da elasticidade e da resistência ao acúmulo de deformação permanente nas trilhas de roda. O aumento da elasticidade gera resistência ao aparecimento e propagação de trincas por fadiga.
Porém, os problemas ambientais associados à disposição final de pneus e de outros resíduos são complexos e sua solução depende de atuação governamental em todos os níveis (federal, estadual e municipal) e da sociedade (produtores, distribuidores, consumidores e pesquisadores). No mais, a conscientização passa pelo entendimento de que não há asfalto ecológico, assim como “cigarro com filtro não é benéfico à saúde”. Ou seja, ainda que a incorporação de borracha de pneus ajude a diminuir os problemas ambientais, os combustíveis fósseis e o asfalto, inclusive, são prejudiciais ao meio ambiente e, portanto, devem ser utilizados com todos os cuidados possíveis.
Para o setor do transporte rodoviário de carga, as pesquisas relatadas são duplamente benéficas, pois dão uma melhor destinação a um item importante (pneu) que, mesmo com os processos de reutilização, uma hora acaba sendo descartado, e contribuem para a melhoria da condição da infraestrutura rodoviária, sobre a qual trafegam aproximadamente 60% das cargas, sendo que os custos de operação dos veículos (consumo de combustível, desgaste de pneus, deterioração dos veículos, tempo de viagem e etc) dependem enormemente da condição dos pavimentos.
*José Leomar Fernandes Júnior é mestre em Engenharia de Transportes pela Universidade de São Paulo e doutor em Engenharia de Transportes pela Escola de Engenharia de São Carlos da USP. Atualmente, é professor titular do Departamento de Engenharia de Transportes da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, na qual ingressou em 1988. Tem experiência na área de Engenharia Civil, com ênfase em Infraestrutura de Transportes.
voltar