Quando o tema são as relações trabalhistas dentro do transporte rodoviário de cargas, ele costuma ser a figura mais requisitada para conceder orientações e esclarecimentos. Advogado especialista em direito do trabalho, o assessor jurídico do SETCESP acumula anos de experiência nas negociações das convenções coletivas de trabalho. Em entrevista, falou sobre como foram definidos os acordos neste ano. Leia!
Diante do cenário de pressão inflacionária, o qual país enfrenta, como foi conduzir as negociações salariais com os sindicatos profissionais da base territorial do SETCESP?
A negociação coletiva é uma via de mão dupla, ou seja, se é certo que os trabalhadores apresentem reivindicações, não menos certo é que os empregadores também apresentem as suas. As empresas também devem se utilizar da negociação coletiva para fortalecer a sua entidade sindical representativa e buscar nas CCTs (Convenções Coletivas de Trabalho) mecanismos que possam adaptar a legislação trabalhista às suas necessidades. Entretanto, numa negociação coletiva não se consegue o ideal, mas o possível, tanto para representação patronal, quanto para a representação dos trabalhadores. A negociação coletiva pressupõe concessões recíprocas e esforço mútuo para que se possa chegar a um consenso.
Toda negociação coletiva possui o seu momento e a sua história, e em um cenário de alta da inflação, as dificuldades são potencializadas.
O que aconteceria se não houvesse um consenso entre o SETCESP e os sindicatos profissionais?
O SETCESP ao longo dos anos construiu uma relação de respeito com os sindicatos profissionais de sua base territorial e as Convenções Coletivas de Trabalho tem sido renovadas por meio de negociações coletivas difíceis, trabalhosas, mas que tem encontrado um ponto de equilíbrio entre as possibilidades do setor empresarial e as necessidades dos trabalhadores.
De acordo com a legislação e a Constituição Federal, se as entidades sindicais não chegam a um consenso na negociação coletiva é facultado às partes ingressarem com processo de dissídio coletivo para que o Tribunal Regional do Trabalho possa decidir o conflito, mas de acordo com a nossa experiência este não é o melhor caminho.
Caso uma empresa deseje, ela pode conceder reajustes e benefícios diferentes dos definidos na CCT? Como isso deve ser feito?
Desde que a empresa cumpra as normas e condições de trabalho previstas na CCT, nada impede que ela ofereça aos seus colaboradores outros direitos e benefícios. Mas reforço, contanto que sejam benefícios a mais do que aqueles já previstos na norma coletiva.
Um Acordo Coletivo pode modificar o que a Lei garante?
A Lei 13.467/17 trouxe várias alterações na CLT, inclusive, que delimitam a prevalência do negociado sobre o legislado. Ou seja, o artigo 611-A ‘dispõe sobre as matérias que podem ser inseridas em acordos ou convenções coletivas de trabalho com prevalência sobre a lei’ e o artigo 611-B ‘indica os direitos trabalhistas cuja negociação coletiva não pode reduzir ou suprimir, sob pena de nulidade’. Portanto, se o acordo ou convenção coletiva dispuser sobre as matérias previstas no artigo 611-A da CLT, haverá prevalência sobre aquilo que estiver previsto na lei.
Após 5 anos da Reforma Trabalhista, na sua opinião que mudanças de fato foram as mais significativas?
Foi a maior reforma da história da CLT com mudanças no Direito Material, Direito Processual e Direito Coletivo do Trabalho. No âmbito do Direito Material, tivemos mudanças como o fracionamento do período de gozo das férias, o término das horas “in itinere”, banco de horas com compensação de até 6 meses através de acordo direto entre empresa e empregado, pagamento de prêmio e bônus sem encargos, além da regulamentação do teletrabalho e do trabalho intermitente, que foram mudanças muitos importantes, principalmente, por conta da pandemia. Também houve a não obrigatoriedade do pagamento da contribuição sindical e da homologação da rescisão contratual; acordo para rescisão do contrato de trabalho e a quitação anual das obrigações trabalhistas e acordo extrajudicial. Todas essas mudanças tornaram mais simples e deram mais segurança jurídica às relações de trabalho.
Quais MPs foram instauradas pelo governo durante a pandemia da Covid-19, que se tornaram Lei?
Uma delas foi a Medida Provisória 977 que foi convertida na Lei Ordinária 14.068/2020 e concede garantia a empréstimos feitos pelos bancos a empresas com receita bruta entre R$ 360 mil e R$ 300 milhões. A outra, foi a Medida Provisória 936 transformada na Lei Ordinária 14.020/2020 que permite a redução de salários e da jornada de trabalho ou a suspensão do contrato trabalhista, durante o estado de calamidade pública relacionada ao coronavírus.
Uma empresa pode exigir de um funcionário a vacinação contra a Covid-19?
Há dois dispositivos legais que tratam da obrigatoriedade da vacinação a toda a população (o art. 3º da Lei nº 6.259/75 e o art. 3º da Lei nº 13.979/20), sendo que o primeiro, diz respeito à vacinação em geral e o segundo, especificamente em relação à Covid-19.
O Supremo Tribunal Federal na ADI 6587 decidiu que não se pode forçar o indivíduo à vacinação, entretanto, pode-se implementar medidas de restrição indiretas, no intuito de persuadi-lo a tomar a vacina. No âmbito das relações de trabalho o empregador deve zelar pela saúde dos trabalhadores, conforme prevê os artigos 157 e 158 da CLT, o art. 19 da Lei nº 8.213/91 e o art. 3º-J da Lei nº 13.979/2020.
Assim, entendemos que uma vez disponibilizada a vacina contra a Covid-19, ela pode ser exigida para todos os empregados. Apenas na situação em que a vacina ou algum de seus componentes possam causar ao empregado risco a sua saúde, devidamente comprovado através de laudo médico, é que pode haver recusa do empregado em se vacinar.
Uma amostra divulgada pelo IPTC aponta um crescimento da modalidade de trabalho intermitente nas transportadoras. Que regras essa modalidade exige das empresas para que não seja descaracterizada?
Trabalho intermitente é o contrato de trabalho escrito, no qual a prestação de serviços com subordinação não é contínua, havendo alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade.
O contrato deve conter o valor da hora de trabalho, não podendo ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados da empresa que exerçam a mesma função em contrato intermitente, ou não.
O empregado terá um prazo de 1 dia útil para responder ao chamado, presumindo-se a recusa, no silêncio. A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação.
Aceita a oferta para o trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de 30 dias, multa de 50% da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo.
O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes.
Ao final de cada período de prestação de serviços o empregado fará jus a remuneração; férias proporcionais; 13º salário proporcional; adicionais legais; FGTS; contribuição previdenciária e férias integrais de 30 dias, a cada 12 meses. Em resumo, essas são as principais regras e características dessa modalidade.
Em 2021, o governo atualizou as Normas Regulamentadoras (NRs), que impactos importantes trouxe essa alteração?
O processo de revisão de Normas Regulamentadoras teve início em 2019, e ainda está em curso, trata-se de um trabalho necessário, para que elas sejam adaptadas à realidade das novas condições de trabalho.
No caso do transporte rodoviário de cargas, vale destacar a alteração que conseguimos fazer na NR-16, que trata de periculosidade. Com a alteração ficou mais claro, que as quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustível originais de fábrica e suplementares não acarretam periculosidade, para fins de pagamento do adicional de 30% sobre o salário base do trabalhador. Logo, a quantidade de combustível contida nos tanques dos veículos não deve ser considerada como carga transportada.
Também é importante citar a Portaria 1066, de 2019, que aprovou a nova redação da NR 24, que trata de higiene e conforto nos locais de trabalho, onde houve a alteração das regras para vestiários com a inclusão dos seguintes itens: ‘As empresas que oferecem serviços de guarda volume para guarda de roupas e acessórios pessoais dos trabalhadores estão dispensadas de fornecer armários’ e ‘Nas empresas desobrigadas de manter vestiário, deve ser garantido o fornecimento de escaninho, gaveta com tranca ou similar que permita a guarda individual de pertences pessoais dos trabalhadores ou serviço de guarda volume’.
Que recado o senhor gostaria de deixar para os nossos leitores?
As relações trabalhistas são dinâmicas e a tecnologia disruptiva aliada aos novos hábitos de consumo e de meios de produção exigem uma adaptação da legislação, para que possa haver regulamentação de novas formas de trabalho.
A reforma trabalhista de 2017, trazida com a Lei 13.467, foi um passo importante para a necessária atualização da CLT que data de 1943, mas alguns pontos importantes ainda precisam ser regulamentados. Também é preciso uma reforma sindical para que haja fortalecimento da representação sindical nas entidades de base, pois são os sindicatos os principais entes representativos e que estão mais próximos da realidade vivida por seus representados.
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