Há pelo menos duas décadas, ele é um dos coordenadores das Negociações Salariais entre o SETCESP e os sindicatos profissionais de sua base. Adauto Bentivegna Filho é o assessor jurídico do SETCESP e diretor da CATC – Câmara de Arbitragem do Transporte de Cargas. Mestre em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa Luís de Camões, ele conversou com a revista SETCESP para contar os detalhes das Negociações Coletivas deste ano.
Quais foram os principais índices levados em consideração para o cálculo dos reajustes salariais?
Neste ano, em face da pandemia de Covid-19, para preservar os empregos, por conta da queda da receita nas empresas, e também pelo fato da desoneração da folha de pagamento, prevista para acabar em dezembro, o que conseguimos foi repor a inflação do último ano que ficou em 7,59%, usando INPC (Índice Nacional de Preço ao Consumidor) para o cálculo. Esse índice é utilizado pelo Tribunal Regional do Trabalho e indica, com maior precisão, o custo de vida. Contudo, melhoramos a PLR (Participação nos Lucros e Resultados) como uma forma de compensar os pleitos dos trabalhadores, em face dessa fase ruim para toda a sociedade. Essa parada da economia atinge todos os setores do país.
Ano passado foi firmado um acordo aditivo, ao invés de uma nova Convenção Coletiva de Trabalho (CCT). Pode nos explicar a diferença e como isso funcionou?
Em maio de 2020, como estávamos no ápice da pandemia, nós fizemos esse acordo aditivo para prorrogar as cláusulas da última Convenção – a de 2019. Por conta da doença, a economia chegou a um estágio de quase recessão. E precisávamos entender o cenário que estava se desenhando no futuro, por isso, achamos por bem prorrogar a Convenção do ano anterior, esperando um cenário melhor para firmar uma nova CCT.
Quais outros impactos a Covid-19 ainda trouxe para as negociações deste ano?
Na realidade, a Covid-19 não permitiu que pudéssemos aprofundar as discussões. Embora o cenário esteja mais claro, ele ainda permanece indefinido. Estamos esperando por uma terceira onda da pandemia, mesmo com a vacinação avançando devemos continuar, até o fim do ano, em uma situação de retração econômica. Volto a reiterar, que a desoneração da folha de pagamento foi um dos pontos, que não nos permitiu ir mais a fundo.
Agora, a nossa CCT praticamente se ateve às cláusulas econômicas atendendo parcialmente às reivindicações dos profissionais. Não permitiu que colocássemos em pauta discussões como o home office, a nova lei da aposentadoria e outros temas que, em um quadro normal, poderiam ser tratados em uma Convenção Coletiva.
Foi difícil chegar a um consenso para se estabelecer um acordo? Quanto tempo duraram as negociações?
As negociações duraram cerca de dois meses, em encontros quase que semanais. É da natureza das negociações termos uma certa dificuldade. Afinal, existe um universo de mais de 200 mil trabalhadores e 11 sindicatos representativos, em uma época de muita escassez, em que uma parcela do empresariado está com problemas para manter os seus negócios. Ao mesmo tempo, os profissionais também têm sofrido com o aumento da inflação e o desemprego aumentando no país.
Então, negociar nessa situação é delicado. É preciso não onerar muito a empresa, porque senão ela vai acabar demitindo. Enquanto que, é preciso que os profissionais tenham uma satisfação pelo trabalho que desenvolvem. É bem complicado um consenso quando se está em recessão. Eu não estou dizendo que, nas outras vezes foi fácil, mas na situação em que os dois lados passam por dificuldades é difícil avançar. Podemos considerar uma grande vitória a celebração da Convenção, na qual os dois lados conseguiram celebrar um acordo.
Quais os principais pontos de mudanças firmadas na nova Convenção Coletiva de Trabalho (CCT)?
O destaque desta convenção foi a possibilidade de haver uma concessão de reajuste salarial, diferentemente do ano passado. Acertamos a parte econômica e renovamos as demais cláusulas para não onerar as empresas.
Qual a diferença entre as Cláusulas Econômicas e as Cláusulas Sociais? Poderia destacar as principais inseridas na CCT ligada à atividade de transporte?
As econômicas se referem ao reajuste salarial, especificamente aos pisos salariais e o reajuste para quem ganha acima do piso. Já as cláusulas sociais não estão ligadas diretamente ao salário, mas trazem benefícios ao trabalhador como: o pagamento da pernoite, do almoço, do prêmio anual, a garantia do emprego quando o profissional estiver há menos de 2 anos de se aposentar, se ele tiver no mínimo 5 anos da empresa. Essa é a distinção.
Existem algumas cláusulas desta CCT que se sobrepõem a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas)? Pode especificar quais?
A CLT, por exemplo, prevê que a homologação não é mais obrigatória. Isso, desde a Reforma Trabalhista, em que se definiu que o acordado se sobrepõe ao legislado. Hoje, porém, se a empresa quiser fazer a homologação no sindicato, ela pode fazer, e ainda terá a quitação da verba que pagou. Antigamente, fazia-se a homologação, o sindicato profissional conferia, mas o trabalhador podia, mesmo assim, ir na Justiça do Trabalho e tudo era rediscutido novamente.
Por essa razão, colocamos a homologação na Convenção Coletiva. A fim de deixar mais seguro para a empresa e mais justo para o profissional. E eu explico o porquê; seguro pois a empresa paga uma única vez, e para o trabalhador justo, dado que os valores são pagos da forma correta. Aquilo que o sindicato dos profissionais entende que não está correto fica ressalvado. O processo de homologação permitiu dar maior legitimidade na demissão, visto que o próprio sindicato profissional é uma testemunha. Sem falar, na tranquilidade de não ter o custo da homologação e depois, aquele empregado entrar com uma ação trabalhista. Isso é um avanço interessante.
Outras duas questões importantes são; primeiro que a CTT prevê as horas extras feitas apenas até 2h por dia, e nós conseguimos colocar na CCT que podem ser feitas até de 4h, no dia, para o motorista e o ajudante. Isso é um fato de extrema importância na nossa atividade. Em segundo, que os aplicativos para controle de jornada possam ser utilizados pelas empresas, embora, isso venha avançando nessa ‘Era digital’, isso foi acordado via Convenção Coletiva, enquanto a CLT, ainda exige marcação por meio de cartão de ponto.
Quais riscos empresas e funcionários correm ao descumprirem as cláusulas estabelecidas em uma CCT?
O descumprimento da Convenção Coletiva por parte da empresa gera multa prevista na própria Convenção, e também o sindicato do laboral pode entrar na Justiça do Trabalho com a chamada Ação de Cumprimento, que tem o objetivo de obrigar a empresa cumprir o que ela está descumprindo. Já para o colaborador, precisa analisar qual cláusula ele não está respeitando. Por exemplo, quando o motorista comete infração de trânsito, como ultrapassar o limite de velocidade, entrar na contramão, furar o farol vermelho, entre outras infrações; a empresa está autorizada a descontar do salário dele, o valor da multa que ele causou para a mesma.
Que tipo de segurança jurídica a CCT firmada pelo SETCESP traz para as transportadoras?
A Convenção Coletiva tem o papel de trazer a paz social. Porque é natural do ambiente, onde há empregados e empregadores, desde a revolução industrial, talvez até antes, quem sabe a contar do Estado democrático de direito, que os interesses entre eles sejam conflitantes. Assim, a Convenção Coletiva traz uma tranquilidade, além disso a certeza por parte dos trabalhadores de que os direitos serão respeitados, e às empresas a segurança de que cumprindo o que está estabelecido ali, não haverá greve, pelo menos do ponto de vista legal. Vale destacar que, para uma greve ser legal ela tem que ter uma justificativa de que a empresa não está cumprindo o que está na CCT ou na CLT. Por isso, eu afirmo que esse instrumento é para garantir a paz social.
Também, quando o empreendedor vai abrir um negócio ele precisa saber qual o salário deve pagar, se é obrigado a pagar o vale-refeição ou não, e tudo isso está disposto na CCT e ajuda a organizar o empreendimento prevendo o custo que terá. Sendo este um bom empresário, evidentemente, ele vai trabalhar com prevenção, cumprindo o que está na Convenção Coletiva podendo gerenciar o negócio de forma sadia, tendo a certeza de que está mitigando e diminuindo o risco de greve, paralisações, de passivos na Justiça do Trabalho e multas do Ministério Público do Trabalho.
Em sua opinião, quais são os fatores que mais dificultam o consenso para se estabelecer uma nova CCT?
Sem dúvida, os interesses antagônicos e também quando as ideologias políticas acabam adentrando as negociações. Até certo ponto, ter interesses antagônicos é natural. É fato que o colaborador deseja ganhar o salário melhor possível, mas às vezes ele desconhece a capacidade de caixa da empresa. Todo o processo de negociação vai se delineando quando você vai demonstrando, que aquelas bandeiras são possíveis ou não. Dessa forma, vamos apresentando as condições que as empresas têm capacidade de cumprir. Sempre falo na negociação, que é necessário analisar, não o faturamento da empresa e sim, o lucro, e o lucro às vezes é pequeno. A gente reconhece que tem empresas no setor que estão trabalhando no vermelho ou com o faturamento baixo. Então o grande desafio é diminuir o antagonismo e criar um relacionamento de confiança, quando isso ocorre, o acordo começa a acontecer.
Também atrapalha muito quando algum sindicato politiza a negociação e quando, na realidade, ele não está preocupado em trazer melhorias para o trabalhador, e sim, em criar conflito de classe. Neste caso ele quer apenas acirrar os ânimos e é preciso contornar esse desafio. Esses são aspectos duros para o negociador, porém resolvíveis.
Qual a mensagem gostaria de deixar para as empresas do TRC?
A mensagem principal é que confie no trabalho do SETCESP, a entidade sempre preservou o bom relacionamento com os sindicatos profissionais, buscando celebrar uma Convenção Coletiva que respeite o direito dos trabalhadores, e ao mesmo tempo, ajude as empresas a fazer uma boa gestão dos seus Recursos Humanos.
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