Empresário transportador, Marcelo Rodrigues, fundador da MR Express, transita há 23 anos pelas entidades do setor. Ele é vice-presidente do SETCESP, diretor financeiro da NTC&Logística e conselheiro fiscal da FETCESP. O motivo de dedicar parte do seu tempo a essas instituições? Como ele diz, porque são fundamentais para promover melhorias no setor, e por consequência, também ao seu negócio. Aliás, ele considera que a criação da Lei 14.599, é mais um exemplo desses avanços.
Quais as contribuições que a Lei 14.599 trouxe para as empresas de transporte?
O crucial desta Lei é mitigar as ações de regresso que existem contra as transportadoras. Geralmente, todas as transportadoras têm — ou tinham, alguma Carta de Dispensa de Direito de Regresso [a DDR] de algum cliente embarcador. Estas cartas isentavam o transportador contratado do custo do seguro, só que se a transportadora descumprisse determinados requisitos, por mais insignificantes que fossem, a seguradora pagava o sinistro ao embarcador e movia uma ação de regresso contra a transportadora, para reaver o prejuízo indenizado.
Agora, o transportador tendo o seu próprio seguro, essa carta perde o efeito. A seguradora sempre paga seu cliente em eventual sinistro. Então, a transportadora tendo a sua própria apólice de seguro, caso aconteça alguma ocorrência, ela acionará o seguro dela, e pronto.
Qual foi o papel das entidades para que a MP 1.153 fosse convertida em Lei?
Foram muitas as viagens de representantes das entidades para Brasília. Tivemos muitos momentos no Senado e Câmara. Quero deixar bem claro, que esse não foi o trabalho de uma entidade apenas, ou de uma só pessoa. Todo o setor se mobilizou para chegar ao que conquistamos. Em certo momento, fomos recebidos pelo Ministério da Infraestrutura do antigo governo. A pasta construiu um texto que virou a MP 1.153/2022, e depois tentamos mostrar a importância disso para o Congresso Nacional, até que o texto foi aprovado.
Após isso fizemos diversas visitas à assessoria da presidência. Conseguimos uma audiência com o então presidente em exercício, Geraldo Alckmin, porque o presidente Lula não estava no país. Ele entendeu o problema que os transportadores enfrentavam e atendeu nosso pedido sobre a legitimidade, que é a contratação pelo transportador do seu próprio seguro de responsabilidade civil.
Com a nova Lei, como ficam as DDRs?
O ponto é, a Carta de DDR não exime o transportador da obrigação da contratação do seu próprio seguro de responsabilidade civil, o RC-DC, determinada pela Lei. Não que esteja proibida a estipulação da DDR, a Lei não traz isso. Só que o texto diz que a contratação deste seguro é obrigatório e tem que ter apenas uma apólice.
Se a transportadora tem várias apólices, uma para cada cliente, a partir de então, ela precisará juntar suas necessidades e seus riscos em uma única apólice, porque só poderá ter uma por RNTRC (Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas).
Caso tenha ainda as DDR em contrato, cumpra-se o que foi acordado até a data de validade do documento, mas faça o RC-DC também.
A obrigatoriedade do seguro RC-V (Responsabilidade Civil de Veículo) traz aumento de custo para as empresas de transporte?
As três apólices viraram um centro de custo dentro de uma transportadora, coisa que não havia. Antes, o RCTR-C era por estipulação e o RC-DC era substituído pela Carta de DDR, e assim eram feitas as tratativas pelo cliente, sem custo para o transportador. Quanto ao RC-V, esse nem existia. Só que, na prática o que ocorria? A empresa de transporte era acionada em uma ação de regresso. Este custo nem era cogitado, tão pouco estava na planilha do transportador. Então, a conta que o transportador deve fazer é a seguinte: eu vou contratar o meu seguro, para não ter uma infeliz surpresa lá na frente.
Hoje a empresa terá este custo na sua planilha, contratará o seu seguro e repassará esse custo a mais ao seu cliente. Eliminando essa possibilidade de ação de regresso. Sem sustos. Diante disso, inclusive, a NTC&Logística soltou um Comunicado ao Transportador, no dia 13 de julho, alertando sobre esses custos na nova planilha de ‘Custos de frete’ e sugerindo uma nova taxa a ser comercializada para cobrir esses gatos, chamando essa nova taxa de TSO (Taxa de Seguro Obrigatório) como componente tarifário.
Alguns transportadores estão recebendo de seus clientes, em substituição às DDRs um documento chamado Carta Conforto para constar junto à apólice. Ao seu ver esse documento tem validade?
Na minha opinião, esse é um artifício que tem valor bastante subjetivo. O fato é que você tem uma Lei que precisa ser cumprida, e não há como contornar o cumprimento da Lei com outros dispositivos como a Carta Conforto e a própria DDR. É importante a gente deixar claro para os nossos clientes, independente da proposta que essas cartas tenham, a responsabilidade agora é nossa.
O mercado securitário já oferece essas modalidades de seguros previstas na Lei?
O RCTR-C já existe há anos. O RC-DC também, só está sendo alterado, porque anteriormente a nomenclatura era RCF-DC, em que o ‘F’ era o significado de facultativo. E o RC-V já existia para a frota de transportadoras.
No momento, o que está sendo desenvolvido é a aplicação do RC-V por viagem, salvo se alguma seguradora e corretora já o disponibiliza, e eu, ainda não conheço. Com a finalidade de atender, por exemplo, uma demanda de operação spot, onde tenho um terceiro efetuando um único embarque pela minha empresa. Isso foi preconizado na construção dessa Lei e será algo parecido com o seguro de embarque de passageiros em uma rodoviária, quando você compra a passagem vem o ticket da passagem e um ticket de seguro pela viagem que você comprou, seria algo parecido. Na prática deve ser indicado no MDF-e (Manifesto de Documentos Fiscais Eletrônicos) para constar assim como o CIOT e o vale pedágio. Destaco que Lei diz que não pode descontar do terceiro esse seguro avulso.
Como fazer o acobertamento do seguro em casos de subcontratação e redespacho, seja de uma outra transportadora ou de um agregado?
Quem subcontratar é que acobertará o risco daquele transporte. Tem que ver qual é o CT-e (Conhecimento de Transporte eletrônico) que ampara esta subcontratação. É no CT-e de quem está subcontratando, onde será averbado o seguro. Vale lembrar que, esse acobertamento não desobriga a empresa subcontratada a não ter o seguro próprio, mesmo que para aquela operação, especificamente, seja o CT-e da subcontratante acionado, caso haja algum sinistro. No caso do TAC [Transportador Autônomo de Carga] é sempre a transportadora que vai acobertar o seguro. Agora se esse TAC trabalhar diretamente para o embarcador, ele também terá que ter os três seguros. Aliás, esse foi o objetivo das entidades dos Transportadores Autônomos de Cargas apoiarem e trabalharem junto para aprovação dessa lei, pois eles almejam transportar diretamente para os embarcadores.
Quem fiscalizará a obrigatoriedade da contratação desses seguros?
Quem fiscalizará é a SUSEP (Superintendência de Seguros Privados). Eu particularmente, não creio que seja algo ostensivo, entretanto, o problema aparece quando você tem uma ação na justiça, por isso, a importância de estar de acordo com a legislação.
Outra coisa é que, como a legislação prevê uma única apólice por RNTRC, talvez já esteja sendo construído um convênio com a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) para que ela forneça os dados do RNTRC, para a fiscalização. E o contrário também ocorre, já que a ANTT precisa que a SUSEP disponibilize os números de apólice de cada transportador. Acredito que no futuro haverá uma convergência entre esses dois órgãos.
Em casos que a transportadora já tem os seguros, mas com a DDR, ela tinha uma cobertura muito maior. Daqui para frente, o seguro dela deve acompanhar os valores das DDRs?
O ponto principal é que a transportadora tem que ter uma apólice condizente com aquilo que ela transporta. Se a transportadora tem apólice de R$1 milhão, mas carrega R$5 milhões, por conta da DDR do cliente, ela não vai mais poder fazer isso. Não conseguirá averbar na apólice obrigatória dela, pelo menos operacionalmente. Talvez, esse seja um novo desafio que os transportadores que carregam alto valor agregado tenham que enfrentar daqui por diante, e por isso, a importância de consultar um corretor de seguros especialista em seguros de transporte de cargas. Com certeza, um corretor especializado resolverá esse problema.
Se o cliente exigir que medidas adicionais de seu Plano de Gerenciamento de Risco constem nas apólices, como o transportador deve agir?
A nova Lei preconiza que as medidas adicionais do PGR fiquem por conta do contratante. Interessante que há esse respaldo na Lei, sobre o custo adicional, regulando essa relação comercial entre embarcador e transportador. Se para transportar uma carga, são necessários os itens X, Y e Z, o que o PGR da transportadora não prevê, as medidas adicionais ficarão a cargo do contratante.
A Lei traz mais segurança para efetuar esta cobrança ao cliente. Isso foi espetacular, porque não existia.
Que mensagem gostaria de deixar para os nossos leitores?
A mensagem é que participem das entidades para melhorarem o ambiente de negócios do setor. Nós percebemos como as operações no transporte já tem se aperfeiçoado ao longo do tempo. É lógico que as adversidades também são constantes e aparecem por todo a parte, impostas às vezes pelo governo, em outros momentos, pelo judiciário.
Só que para todas elas, são as entidades de classe que se mobilizam para enfrentar os desafios. Então, novamente faço o convite: participem das entidades, das reuniões, palestras, seminários e fóruns que elas promovem. Venham mais nos sindicatos, federações e associações. Juntos somos mais fortes e podemos nos defender de eventuais dificuldades, que surgem no dia a dia, e até tiram o nosso sono. Estamos aqui para nos unirmos e contribuir para um setor melhor.
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