Por Marcos Aurélio Ribeiro
A inclusão do caminhoneiro na formalidade é uma preocupação antiga de todos que vivenciam o TRC. A atividade outrora considerada como porta de ingresso ao empreendedorismo, foi o ponto de partida de muitas das empresas de transporte rodoviário de cargas (aliás, são muitas as histórias de transformação de caminhoneiros que passaram a grandes empresários do setor).
Só que com o aumento do número de transportadores autônomos, manter-se nesse mercado tornou-se mais difícil. Principalmente, por ser uma atividade extremamente competitiva, com pesada carga tributária, entraves e encargos burocráticos, razão pela qual a maioria desses profissionais acabou sendo atirada na informalidade.
Embora sempre existisse a possibilidade de formalização como trabalhador autônomo os encargos tributários e previdenciários eram, e ainda, são impeditivos. Nem mesmo o tratamento diferenciado que considera a base de cálculo para efeito de contribuição de imposto de renda (40% da renda bruta) e para a previdência (20% da renda bruta, com incidência de alíquota de 11%), foram medidas suficientes para atender as aspirações da categoria.
A atividade do TAC (Transportador Autônomo de Carga) é claramente uma atividade empresarial de natureza comercial. A legislação brasileira sempre admitiu o exercício por qualquer pessoa da atividade empresarial individual, entretanto esse exercício como pessoa jurídica sempre teve o inconveniente na legislação pela confusão e risco de todo o patrimônio do indivíduo, pois a lei civil nesse caso, prevê a responsabilidade ilimitada do agente.
Na legislação estrangeira buscou-se soluções para a transformação do transportador autônomo em empresário de transporte. Na Alemanha, em 1980, surgiu a primeira legislação admitindo a constituição de uma sociedade empresária de responsabilidade limitada constituída por uma única pessoa, posteriormente no mesmo sentido, surgiram leis idênticas na França, Espanha e Portugal.
No Brasil em 2011, foi aprovada a Lei nº 12.441, pela qual criou-se a possibilidade da constituição de empresa individual de responsabilidade limitada EIRELI, com o objetivo de incentivar a formalização de empreendedores, que até então vinham atuando na informalidade. A EIRELI foi um passo importante, porém não resolveu dois problemas: a elevada carga tributária e os encargos e entraves burocráticos para incentivar a formalização do transportador autônomo.
O passo seguinte foi dado com a criação da figura do Micro Empreendedor Individual (MEI), através da Lei Complementar 128 de 19 de dezembro de 2008, permitindo ao empresário individual a opção pelo Simples Nacional, modalidade simplificada de apuração e recolhimento reduzido de tributos. Todavia, para o transportador autônomo de carga a legislação em nada ajudou, pois o limite de faturamento para a adesão ao simples como MEI tem caráter claramente excludente em razão dos altos custos da atividade de transporte. O limite atual de R$ 81 mil de faturamento anual exclui todo e qualquer caminhoneiro.
Por último, a Lei Complementar 188, sancionada no último dia de 2021, e que entrou em vigor este ano, criou a figura do ‘MEI Caminhoneiro’ e encaminha solução que pode ser definitiva para a formalização do TAC. Eleva o limite do faturamento anual do caminhoneiro para adesão ao valor de R$251,6 mil e prevê benefícios e facilidades consistentes como incentivos ao MEI – Caminhoneiro. Merecem ser destacados:
- Carga tributária fixa: 12% sobre o salário mínimo vigente, para o INSS;
- Recolhimento de Impostos em documento único, de fácil acesso, pela internet;
- Não está obrigado a manter uma contabilidade formal;
- Aposentadoria por idade;
- Auxílio-doença;
- Salário-maternidade para a mulher caminhoneira;
- Pensão por morte;
- Emissão de notas fiscais;
- Custo zero na formalização e abertura do CNPJ; e
- Dispensa de alvará e licença de funcionamento
A formalização do caminhoneiro é tema de grande interesse do TRC, porque deverá colocar um ponto final em um dos mais graves pontos de litígios sobre a natureza da sua contratação.
A Lei 11.442, de 2007, estabeleceu a natureza comercial do contrato celebrado entre o TAC e a ETC (Empresa de Transporte de Cargas), sem vínculo de emprego, contemplando o interesse deste último, em ter uma relação com liberdade para o exercício da atividade e a possibilidade de receber melhor remuneração, que pode ser suportada pela empresa, em razão do menor custo em relação ao contrato de emprego. Essa contratação tornou-se inviável pela quebra da boa-fé, que deve ser observada em todo e qualquer contrato, segundo o comando do código civil, pela esperteza e a má fé geradoras de insegurança jurídica. Muito disso em razão de pedidos de vínculo de emprego admitidos por tendencioso entendimento de inadmissibilidade de terceirização da atividade fim da empresa de transporte.
Em momento oportuno, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 3.961-DF, decidiu ser constitucional a disposição da Lei 11.442 de 2007, que prevê a terceirização pela ETC e a subcontratação do TAC, uma vez observadas as normas da lei na contratação, afirmando ainda a natureza comercial desse contrato, colocou um ponto final nesta esdruxula tese de ilegalidade da terceirização da atividade fim da empresa.
Deste modo, a formalização do caminhoneiro inscrito como Micro Empreendendor Individual – MEI representa o afastamento em definitivo de qualquer dúvida sobre a natureza da relação entre a ETC e o caminhoneiro, pessoa jurídica especial, empreendedor e empresário de transporte. Haverá maior segurança jurídica nessa contratação protegida agora pela boa fé das partes, pela lei e pela jurisprudência do STF.
* Marcos Aurélio Ribeiro é Assessor Jurídico do SETCESP.
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