Sueli Gulin Calabrese: “Não existe nenhum lugar que a mulher não possa ocupar, desde que ela queira estar”
Ela divide seu tempo como diretora de RH da Viação Redentor e como Conselheira na Expresso Princesa dos Campos. Mesmo proveniente de uma família com tradição no ramo de transportes rodoviário, engana-se quem pensa que foi fácil para Sueli alcançar seu projeto inicial de carreira: gerir os negócios da família. E um de seus maiores desafios, foi por justamente ser mulher, conta ela
Nos fale um pouco como foi o início da sua carreira no setor de transporte rodoviário de cargas?
Sou de uma família bastante tradicional do transporte rodoviário aqui de Curitiba/PR. A empresa começou com meu avô, João Gulin, e os irmãos dele. Sou a neta mais velha e sempre quis trabalhar na empresa da família. Minha casa era ao lado, eu brincava no pátio como fosse o meu parquinho, apesar de todas as broncas que eu ganhava por isso.
Depois de já formada, meu avô me fez o convite para assumir o lugar do meu pai que não estava muito bem de saúde, mas minha mãe virou para o pai dela (meu avô) e falou: eu quero que meu filho vá para a empresa, e não a Sueli. Aquilo para mim foi um balde de água fria. Eu cresci vendo que minha mãe foi muito inibida pelo meu avô, e até pelo meu pai, então não imaginava que ela agora, estava fazendo aquilo comigo.
Nesse ínterim de tempo, eu presidi a Câmara de Dirigentes e Lojistas em Curitiba, fiz parte de várias entidades de negócios onde aprendi muita coisa. Até apresentei um programa de televisão que chamava Economia e Negócios.
Até que anos mais tarde minha família resolveu profissionalizar a Expresso Princesa dos Campos, que era muito familiar. Nós chamamos um especialista para conduzir esse processo. Ele nos advertiu que um conselho de administração sem uma mulher não é confiável. Então acabei entrando por votação para o Conselho da empresa.
Depois disso, me formei em Direito, porque eu tinha muita vontade de saber da parte legal e jurídica, já que estava no cargo de Conselheira, que me ajudou também com o processo estruturação de Governança Corporativa.
A maioria das empresas de transporte de cargas são familiares, só que no processo de sucessão, quando o herdeiro é uma mulher, é mais desafiador para ela assumir uma posição de comando? Pode nos contar com mais detalhes sobre como foi sua experiência?
Eu sempre fui uma pessoa inconformada quando eu escutava do meu pai: lugar de mulher não é em empresa de transporte. Lá só tem homem. Por dentro, eu não aceitava aquilo. Aí pensei, vou me qualificar e trabalhar lá, sim!
Outra vez, quando tocamos no assunto novamente, meu pai me falou assim: filha quando você quer uma coisa você consegue. É uma pena você não ser homem. Eu disse – sério isso?! E respondi – pai mesmo sem ser homem vou te provar que vou ser melhor do que qualquer homem poderia ser naquela empresa. Infelizmente, meu pai morreu sem me ver aqui na transportadora, mas eu sei que, se ele me visse hoje, ficaria muito orgulhoso.
Como é sua relação familiar e atuação, tanto na Expresso Princesa dos Campos quanto na Viação Redentor?
Estou no Conselho na Princesa dos Campos, que é rotativo. Já na Viação Redentor, empresa de transporte coletivo, eu sou diretora de Recursos Humanos. Como eu não consegui entrar na empresa logo de cara, trabalhei antes, 21 anos, com comércio exterior. Foi no momento em que meu irmão, aquele que teve a preferência de minha mãe, resolveu deixar o país, que eu pensei, pronto, agora chegou a minha vez.
Eu chamei os meus tios e mostrei toda a qualificação que tinha para atuar na Viação. Eu já tinha estudado bastante, feito duas graduações, pós em gestão pública e outras especializações. Eles assentiram tamanha a minha insistência.
No dia que eu fui para a empresa, a primeira coisa que me perguntaram: o que você está fazendo aqui? Nós nem temos uma sala para você. Eu respondi, não tem problema, fico na sala de reuniões. Senti que ali, eu tinha que me posicionar e fui bem franca em dizer: posso até parecer meio madame, mas eu vim aqui para trabalhar, quero conduzir o meu negócio.
Desde então, já estou a quatro anos e meio na Viação Redentor, e melhor de tudo, consegui conquistar meus colaboradores e trazer resultados. Isso me trouxe uma experiência enorme para o Conselho da Princesa dos Campos.
Acha que na sua carreira as coisas teriam sido mais fáceis para você, se fosse homem?
Com certeza. O que me fez conseguir estar onde eu estou foi mesmo a minha qualificação. Eu me especializei muito. O estudo me tornou capaz de transpor barreiras e mostrar o meu potencial para ocupar meu espaço. Tem uma coisa que meu avô dizia: – nenhuma empresa cresce sem o olhar do dono. Quando eu comecei a pensar o que faltava na empresa, eu fui me qualificar para suprir aquilo do que se tinha falta. Assim, fui considerada para exercer a função que eu ocupo hoje.
O que seria necessário para tornar o ambiente mais inclusivo para mulheres nas empresas de transporte?
Eu venho incentivando muito a contratação de motoristas mulheres. Já temos algumas dirigindo ônibus e também caminhões. Nós queremos mulheres fazendo rotas curtas, para que elas possam voltar para casa no mesmo dia, e não tenham que passar a noite fora.
Venho tentando encontrar meios e maneiras para abrir esse espaço para elas. Não no sentido de que eu queira tudo para a mulher, não é isso, mas acredito que nós somos um complemento. Espero que depois de mim, haja outras mulheres na liderança aqui nas empresas.
Quais são as figuras femininas que você teve como inspiração?
A minha inspiração foi superar as barreiras. Não uma figura, mas o desafio em si. Para mim não existe nenhum lugar que a mulher não possa estar, desde que ela queira estar. Mas tem que ter qualificação. Às vezes, a gente ignora comentários, toca a vida e segue em frente. Quando eu vim não tinha uma sala para mim, no momento que me direcionaram para a sala que eu ocupo hoje, tive aquele sentimento de que foi uma conquista minha.
Quais as principais diferenças você enxerga entre uma empresa de transporte de passageiros e uma de transporte de cargas, já que você atua em ambas?
Vale destacar que na pandemia o transporte de cargas foi o que nos salvou, não tínhamos passageiros, mas tínhamos carga.
O transporte de passageiros a gente trabalha com muitas vidas envolvidas, e é necessário ter uma atenção maior quanto ao atendimento e ao conforto. Hoje as pessoas querem viajar no ônibus, como elas viajam no avião.
Já no transporte de cargas é preciso que o cliente receba exatamente o que comprou no tempo certo. Conta mais a agilidade na entrega. Quem faz uma compra pela internet hoje, não quer ficar esperando muito tempo até que essa compra chegue.
Quanto às dificuldades, muitas vezes elas são partilhadas em ambos. Agora, no fim da eleição tivemos bloqueios, o que gerou muitos problemas em nossas operações. Mesmo que cada um tenha as suas peculiaridades, a gente tem que fazer com que ambos tenham alta performance.
O que movimentos de apoio às mulheres, como o Vez e Voz podem trazer de avanço na questão da equidade de gênero?
Acho fantásticos estes movimentos, porque há neles muita troca de informações. Esse companheirismo entre as mulheres no setor é importantíssimo. Geralmente, os homens não tem essa relação. A mulher tem mais vaidade, é verdade, mas o homem tem mais ego. O Vez e Voz nos permite essa troca, em que uma vai fortalecendo a outra. Lógico que cada empresa tem o seu objetivo e a sua meta, mas esse é um jeito que nos permite crescer juntas.
Tem algum conselho para as mulheres que atuam no transporte e desejam sua ascensão profissional?
Continuem estudando porque isso é um diferencial. Quando você está sempre atualizada, não tem como alguém achar que você não está qualificada. Eu incentivo muito meus filhos a estudarem para chegar à liderança, da mesma forma eu faço com os colaboradores da Princesa dos Campos, cada vez que eu vou dar uma palestra lá, digo sempre: estudem. Na Redentor patrocinamos os custos de parte do valor da mensalidade para quem quiser fazer faculdade, uma forma de incentivar mesmo.
As mulheres estudam mais, mas mesmo assim ainda ganham menos que os homens. O que acha que deve ser mudado no mundo corporativo para que a equiparação salarial seja uma realidade?
Isso é um absurdo. Nas nossas empresas a gente não permite que isso ocorra, homens e mulheres que desenvolvem a mesma função recebem igualmente. Temos que lutar por essa equiparação. Não somos melhores e nem piores que os homens, e é preciso reivindicar essa igualdade. Que não nos falte liderança para isso.
Na minha cabeça é preciso insistir, insistir e insistir até chegar o momento em que igualdade salarial seja uma realidade.
Gostaria de deixar alguma mensagem para os leitores da Revista SETCESP?
Que possamos enxergar que cada ser humano tem a sua particularidade, mas todos nós podemos fazer a diferença. Que os homens enxerguem as mulheres como uma soma e não uma subtração. Ninguém quer o espaço de ninguém por mera causalidade. O que desejamos é mostrar que temos uma força de trabalho importantíssima e um potencial enorme.
Para todas as mulheres faço um convite de estarmos cada vez mais presentes nas empresas e entidades, ocupando os espaços que nos cabe.
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