* por Anírio Neto
A capacidade de reinvenção de seu próprio produto é o que mantém as corporações ativas, lucrativas e influentes no mercado por longos anos. A companhia HP, por exemplo, entende que a cada 15 anos é necessário pensar na disruptura de seu próprio negócio. Empresas que pensam assim evitam que outros players façam disrupção em seu mercado, pois elas sempre estarão na vanguarda.
Por isso, a HP buscou se reinventar definindo categorias de tecnologia ao longo dos anos, colocando a impressora 3D como seu pilar chave, usando sua dominância de mercado, criação de tecnologias e patentes de uma série de soluções para criação da MultiJet Fusion. Este é um equipamento de ponta do mercado que imprime 10 vezes mais rápido que qualquer outro concorrente e veio para criar uma disruptura dentro do segmento manufatureiro.
Para lembrar um pouco da história da indústria mundial, o processo manufatureiro começou com energias geradas com água e vapor, depois passou para produção em massa com eletricidade, logo veio a automação e tecnologia (robotização) dentro das empresas. Agora, chegamos ao que chamamos de revolução digital, dentro deste processo manufatureiro que é impulsionado pela impressão 3D.
Como a tecnologia 3D pode transformar indústrias?
Primeiramente, vem a mudança de desenho e modelagem para prototipagem digital. Só neste ponto o custo de produção de uma peça cai drasticamente, pois além de ajudar na criação de novos produtos, os softwares para 3D conseguem ler uma imagem e, a partir dela, gerar um protótipo automaticamente, que pode ser novamente trabalhado e gerar outro produto em questões de minutos.
Em seguida vem a otimização de supply chain. Atualmente, temos o processo manufatureiro concentrado em conglomerados econômicos que possuem suas fábricas em grandes centros urbanos, o que gera um custo alto de distribuição dos produtos, ainda mais em países de dimensões continentais como o Brasil. Estar longe do cliente gera a necessidade de intermediários e isso aumenta o preço do produto para o consumidor final.
Com a produção digital e impressão 3D teremos a democratização da manufatura, o que significa produtos impressos próximos de onde a demanda está. Com isso, os custos logísticos diminuirão significativamente, além de chegarmos ao nível de uma produção on demand, na qual a “fabricação” (ou melhor, impressão) ocorre conforme as vendas são realizadas. Isso sugere que as indústrias manufatureiras não terão mais estoques. Trocaremos os termos “produzir” por “imprimir” e “estoque para consumo” por “impressão on demand”.
Uma empresa aérea, atualmente, precisa ter peças em inventários em centenas de aeroportos espalhados pelo mundo, o que gera um custo alto de aquisição, armazenagem e distribuição destes produtos para a manutenção de seus equipamentos. No mundo 3D, a ideia é que a peça seja impressa conforme a demanda pela própria companhia aérea, ou se preferir, por um fornecedor local que receba o projeto digitalizado e possa entregar no aeroporto no qual a manutenção será realizada.
Aliás, as palavras “personalizado” e “sob medida” são as chaves de sucesso deste mercado.
Outra dor de cabeça do processo manufatureiro tradicional é o desperdício (por falhas ou imperfeições) de insumos. Numa impressora 3D o desperdício é zero, pois é possível experimentar diversas vezes, validar, melhorar e fazer de novo. Se sobrar algum resíduo ou rebarba, basta devolver à máquina para reaproveitamento da matéria prima. Assim, além de velocidade, a indústria ganha em precisão no consumo de matéria prima. E num mundo cada vez mais sustentável, isso faz toda diferença.
A expectativa é que logo veremos estas máquinas invadirem as indústrias. Não necessariamente em fábricas de grande porte, mas muito mais em “centros de impressão” que estarão espalhados por todos os lados. Estes centros de impressão serão responsáveis por receber o protótipo (pedido e especificações), imprimir o item e entregar ao cliente final. Isso, automaticamente, também muda o processo logístico.
Perceba que as próprias indústrias poderão imprimir seus produtos de forma descentralizada e cada vez mais próximo do seu consumidor final. Isso gerará um impacto no processo logístico e no transporte de carga muito alto. Se a indústria não gerar estoque para alguns tipos de produtos, automaticamente não haverá a atual necessidade de armazenagem e controles. E o transporte, pode ser que, para alguns tipos de produtos, fique restrito a apenas a última milha (entrega do ponto de impressão até o cliente final).
Imagine uma indústria de brinquedos que produza produtos dos grandes heróis do cinema em plástico, fibra, metal ou até em chocolate. Atualmente, ela tem um processo produtivo bem complexo: compra de insumos, preparação de máquinas, controle de qualidade, embalagem, armazenagem, distribuidor, pedidos, venda, transporte entre os intermediários até chegar ao consumidor final com lead time de 2 dias.
Com a impressão 3D, seu processo mudará para: compra e distribuição física de insumos para 3D, distribuição eletrônica de projetos em seus pontos de impressão, pedidos, impressão 3D no local mais próximo, entrega em 2 horas no seu cliente final depois do pedido.
Uma última curiosidade sobre a impressão 3D: a Multijet Fusion imprime metade de suas próprias peças, ou seja, uma impressora 3D da HP é capaz de produzir 50% das peças para outra impressora 3D, assim, o próprio processo produtivo da HP se alterou, mais uma disruptura na conta da companhia.
Este artigo foi baseado na entrevista de Vinícius David da HP para Maurício Benvenutti da StartSe, dentro do curso Nova Economia.
Até a próxima!
Anírio Neto é Diretor Técnico de Tecnologia da Informação do SETCESP, coordenador do Laboratório SETCESP de Inovação e tem MBA em Tecnologia da Informação e em Administração
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