Desde 2018 novos modelos para o sistema tributário vem sendo apresentados e discutidos no País
A expectativa era deixar as coisas mais simples. Mas entre o vai e vem de propostas para uma Reforma Tributária, vem crescendo a percepção de que estamos às vias de uma elevação da carga sem reduzir em nada a complexidade do ambiente de negócios.
De acordo com um relatório do Banco Mundial, que avalia 190 países, o Brasil é o país em que as empresas gastam o maior número de horas com a burocracia dos impostos. Sem falar, no próprio peso da carga em si, que impacta diretamente na competitividade e no lucro das empresas.
Diante disso, fomos ouvir o que os especialistas da área entendem sobre as medidas que estão em tramitação no Congresso e quais resultados podem trazer para um cenário futuro.
AS PROPOSTAS
Atualmente, existem ao menos duas propostas de emenda à Constituição (PEC) e um projeto de Lei (PL), que alteram a tributação federal: PEC 45 de 2019 (na Câmara dos Deputados), PEC 110 de 2019 (no Senado) e o PL 3887 de 2020 (na Câmara dos Deputados).
A PEC 45 quer unificar cinco tributos: o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o PIS (Contribuição para o Programa de Integração Social), a Cofins (Contribuição para o financiamento da seguridade social), o ICMS (Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre prestações de Serviços), e o ISS (Imposto sobre Serviços de qualquer natureza) em um único tributo, chamado de IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).
Enquanto isso, a PEC 110, ao invés de cinco tributos unificados, listados anteriormente, sugere a substituição de nove deles pelo IBS. Além daqueles contemplados na PEC 45 se somariam a eles o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), o Pasep (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público), o Salário-Educação (Contribuição social destinada ao financiamento de programas voltados para a educação) e o Cide-Combustíveis (Contribuição social destinado a investimento de infraestrutura de transporte).
Só que tanto a PEC 45 quanto a 110, segundo conta a assessora jurídica tributária da FETCESP (Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado de São Paulo), Valdete Marinheiro, perderam força com a eleição dos novos presidentes da Câmara (Arthur Lira) e do Senado (Rodrigo Pacheco), no início deste ano.
Já o PL 3887/20 enviado pelo próprio Governo Federal, diferentemente das PECs, propõe a unificação de apenas dois tributos federais, o PIS e a Cofins; em um só, que seria a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).
“Houve uma disputa de protagonismo, para mostrar quem seria a figura principal da Reforma Tributária. Assim, as propostas de emendas 45 e 110 foram deixadas de lado e o Governo resolveu discutir a questão da Reforma de maneira fatiada”, afirma o assessor jurídico do SETCESP, Dr. Marcos Aurélio Ribeiro.
O PL 3887/20 –1ª Etapa da Reforma
“Essa proposta é nitidamente de aumento da carga tributária”, já avisa antecipadamente Marinheiro. Ela explica que as empresas que se enquadram no Lucro Real, apuram uma carga tributária de 9,25% de PIS/Cofins, à medida que as que se enquadram no Lucro Presumido, apuram uma carga tributária de 3,65% de PIS/Cofins e, com o PL, ambas passariam a apurar uma alíquota única de 12%. Além disso, este projeto cria regimes especiais de apuração para uma série de atividades.
Marinheiro adverte que o que pode atingir mais o transporte rodoviário de carga é a incidência da CBS sobre os combustíveis, que não permitirá a quem o tem como grande insumo, poder se aproveitar desses créditos, da forma que é feita hoje.
“A maioria das empresas do nosso setor se enquadram no lucro presumido e apuram 3,6%, o que passaria para 12%. Só quem acredita que 12 é igual a 3 é que vai pensar que não é um aumento de carga tributária”, alertou Vander Costa, presidente da CNT (Confederação Nacional do Transporte) durante a cerimônia de entrega da Medalha Mérito do TRC Paulista.
“Quem está no lucro real apura 9%, mas tem uma série de créditos para abatimento. A CBS tira todos os créditos do TRC, inclusive, o do diesel. No caso do transportador só vai poder creditar peça e pneu”, complementa ele.
Com o projeto, todas as empresas que estão no TRC e se enquadram no lucro presumido terão que fazer uma contabilidade fiscal detalhada, assim como já fazem as empresas do lucro real. Em resumo, vai ter mais custo para apurar o imposto.
Costa disse também que não espera por uma redução da carga tributária por conta da situação fiscal do País, porém se posiciona completamente contra ao aumento, porque isso dificulta o reaquecimento da economia, agora que a pandemia parece estar cedendo. “Do jeito que estão vindo as propostas do governo, há quem considere que é melhor não ter”, argumenta.
Obviamente, o PL 3887/20 gerou inúmeras contestações em todo o País. “Por isso, o presidente da Câmara, junto com o Governo Federal, lançou mais umafatia de Reforma Tributária apresentando outro projeto, o PL 2237/21, que traz mudanças nas regras de Imposto de Renda”, conta Marinheiro.
PL 2337/2021 – 2ª Etapa: Imposto de Renda
Esse Projeto de Lei foi apresentado em junho deste ano e tem como relator o deputado o Celso Sabino (PSDB-PA), que vem buscando alinhamentos junto à Receita Federal e defende a mudança de tirar a tributação da pessoa jurídica e, em contrapartida, tributar os lucros e dividendos que beneficiam as pessoas físicas.
Pessoa Jurídica
O PL 2337/2021, aprovado na Câmara dos Deputados,diminui a alíquota de 15% para 8% do Imposto de Renda da pessoa jurídica. Entretanto, passará a tributar o lucro e os dividendos dos sócios pessoas físicas em 15%.
A pessoa jurídica, após apurar o lucro, paga 15% em imposto de renda, mais um adicional de 10% (empresas que têm lucro acima 20 mil reais) mais a Contribuição Social que é 9% sobre o lucro líquido. Então, no total ela tributa 34% de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ).
A proposta diminui os 15% para 8%, mas manteria o restante de 10% e 9%, então o lucro sairia da pessoa jurídica com uma tributação de 27%, onde se pagava 34%. Só que quando o sócio fosse receber esses dividendos, ele ainda teria uma retenção na fonte de 15%. Faz 25 anos que o País optou por tributar todo o lucro na pessoa jurídica, de tal forma que, quando se entrega o provento para a pessoa física, o sócio não tem mais nenhum tipo de tributação.
“E porque anos atrás foi adotado somente tributar na pessoa jurídica? Eu respondo: na época havia um contencioso muito grande com a Receita Federal, que alegava que as empresas distribuíam lucros disfarçados (DDL – Distribuição Disfarçada de Lucro). Assim, os sócios colocavam todas as suas despesas pessoais na empresa, para diminuir esse lucro de forma que ele pagasse um imposto de renda menor. Isso era comum ocorrer e ser contestado pela Receita”, diz Marinheiro.
Ela informa ainda, que o Brasil inovou deixando o processo mais simples ao tributar todo o lucro antes de entregar para o sócio e que agora o novo cenário parece uma regressão. “Quando não é tributado na pessoa física, existe uma percepção de que esse lucro não é tributado, e que o sócio recebe todo o lucro isento, mas não é isento, que fique bem claro! É uma tributação concentrada na pessoa jurídica”, enfatiza.
Para Ribeiro há uma previsão de ampliação do que pode ser entendido como Distribuição Disfarçada de Lucro. “Existem coisas que já são mais ou menos óbvias que caracterizam uma DDL, como a venda de imóveis a preço abaixo do mercado, empréstimos subsidiados e perdão de dívidas. Entretanto, tem outras situações, como por exemplo, a disponibilização ao sócio do veículo da empresa ou a cessão de imóveis para uso, que agora podem vir a ser considerados pela fiscalização como uma DDL”.
Ambos os especialistas contaram que após a apresentação do texto, houve muita gritaria e que o relator já fez diversos substitutivos por conta das reclamações. “Só que mexe em um dos substitutivos e vai para a Receita Federal, que por sua vez, veta para não perder arrecadação, e aí, volta para o relator. Resultado: ao invés de simplificar a gente está trazendo mais burocracia e vale destacar que, todo aquele contencioso que tivemos lá no passado, podemos voltar a ter”, declara a assessora.
“Usar o pretexto de que se precisa criar um novo imposto de renda sobre dividendos para corrigir a atual tabela do IR não é um argumento verdadeiro. Precisa ter cuidado com essa proposta, porque o Brasil precisa de investimento”, alerta Costa.
Pessoa Física
No texto o PL 2337/2021 traz um ajuste na tabela progressiva do imposto de renda para pessoa física, que estava congelado desde 2015. Mas não corrige a inflação dos últimos seis anos. A faixa de isenção passa de R$1.903,98 para R$2.500 mensais.
“Além de corrigir a tabela por um índice insuficiente, ainda limita as pessoas que recebem mais de 40 mil por ano de entrar no desconto”, informa Aurélio.
O Governo precisa aprovar esses dois Projetos até o fim deste ano, porque como 2022 é ano eleitoral e o último de mandato, não haverá condições políticas para alterar esse tipo de legislação.
Em entrevista coletiva, concedida no dia 28 de setembro, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse estar disposto a apreciar o projeto de Reforma do Imposto de Renda “o mais rapidamente possível”.
“Ainda continuo não sabendo o que vai acontecer, mas tenho uma perspectiva de que esses projetos não passam no Congresso e, se passarem, pode haver uma corrida ao judiciário, aumentando o contencioso. Se tributar o que já foi tributado, isso vai demandar ações na justiça e muita fiscalização. Há quem diga até que, a Receita vai ter que abrir muito concurso para auditores fiscais para conseguir fiscalizar as empresas”, fala a assessora.
Nos dois PLs, não há nenhuma alteração de Lei específica para o setor de transporte rodoviário de cargas, mas sim, para as empresas como um todo. As entidades que integram o TRC, assim como o SETCESP, estão sugerindo emendas, publicando manifestos e se posicionando contrárias a qualquer medida, que possibilite um aumento real na carga tributária e ainda, acompanham de perto quais serão as definições para essa Reforma.
As informações que constam no texto estão atualizadas até o fechamento desta edição em 05 de outubro.
voltar