‘Um transporte de cargas mais integrado’
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Ela trabalha para tornar os sistemas de mobilidade das cidades brasileiras mais limpos e eficientes, aumentando a qualidade do trânsito e reduzindo seus impactos ambientais. Conversamos com a gerente de Mobilidade Urbana do instituto WRI Brasil e colunista do Estadão.

De que alternativas o Brasil dispõe hoje para melhorar a mobilidade urbana?

Quando se pensa em mobilidade sustentável, temos de ter a noção de que precisamos integrar o transporte privilegiando as pessoas. A ideia é optar por meios mais sustentáveis, o que já está previsto na Lei 12.587/2012, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. A ordem de prioridades no transporte deve ser sempre: primeiro o pedestre, depois os ciclistas, o transporte coletivo, o transporte de cargas e, só por último, o automóvel individual. Essa é a lógica, trazer sempre as pessoas para o centro do planejamento.

Um estudo revelou que os paulistanos gastam em média 2h19 em deslocamentos na cidade, o que já é 18 minutos a mais do que o apurado no ano passado. Como fazer para atenuar essa situação?

Essa perda de tempo no deslocamento é em parte por conta dos congestionamentos, e o resultado do modelo de cidade que construímos ao longo dos anos. Precisamos repensá-lo. Desde que o automóvel foi inventado, o nosso desenvolvimento de cidade foi pensado para o deslocamento dele, e não o das pessoas. Adquirimos uma cultura ‘carrocêntrica’. Este modelo não se sustenta. Volto a reforçar que a priorização deve ser dos transportes coletivos e não motorizados, em detrimento do individual, para que todos tenhamos uma maior eficiência no uso das nossas vias.

Que cidades, dentro ou fora do Brasil, conseguiram se mobilizar para melhorar sua mobilidade urbana integrando o transporte de cargas?

Diversas cidades têm conseguido implantar soluções. Vou destacar Paris, que tem buscado ser uma “Cidade de 15 minutos” [um conceito em que você consegue se deslocar e atender às suas necessidades dentro de um raio em até 15 minutos], faz isso priorizando o transporte coletivo, o transporte ativo e os modos compartilhados. Londres também chama atenção pelo fato de criar zonas de circulação na área central que priorizam a circulação de veículos zero emissão, tanto para o transporte individual, quanto para o de carga.

A gente observa que há um movimento de modelos internacionais de deslocamento em áreas centrais das cidades com veículos pequenos. Veículos maiores estão cada vez mais restritos para o deslocamento rodoviário intermunicipal e interestadual. Mas a aplicação disso depende de uma integração dessas políticas entre cidades. Não dá para cada cidade determinar as suas próprias regras, restringindo a determinados modelos de veículos, que não são compatíveis com as demais cidades. Isso dificulta para o mercado trazer soluções. Sobretudo, é importante ter claro que diferentes veículos têm diferentes papéis na gestão de cargas e no abastecimento das cidades. No perímetro urbano a alternativa são veículos menores.

Como você enxerga o avanço dos veículos elétricos no país?

As vendas dos veículos elétricos têm avançado bastante, e eles são nossos aliados no caminho para uma mobilidade zero de emissões. Dados da Organização Mundial da Saúde falam de 50 mil pessoas por ano que morrem de doenças respiratórias e cardiovasculares nas cidades brasileiras em decorrência de gases poluentes. O foco é pensar em descarbonizar todo esse sistema. Mas importante ressaltar, que a tecnologia é uma parte dessa solução, mas que precisa estar em sintonia com as demais ações de priorização do transporte ativo e coletivo.

Como é o trabalho que o WRI Brasil desenvolve em prol da mobilidade?

O WRI Brasil faz parte do World Resources Institute [instituto de pesquisa que atua no desenvolvimento de soluções sustentáveis] e tem um programa de cidades que apoia a qualificação dos sistemas de mobilidade urbana. Hoje, a gente trabalha com mais de 30 cidades, incluindo São Paulo, para ajudá-las a qualificarem os seus sistemas de transporte e o desenho viário também, trazendo o conceito de ruas completas, focando no cuidado com as pessoas para trazer mais mobilidade para elas também.

Nos estados do Brasil os veículos mais velhos são isentos de IPVA. Esse fato pode ser encarado como um estímulo a uma frota mais poluente?

Até acho que devemos fomentar veículos mais limpos. Acompanhamos alguns países que fazem a isenção para veículos elétricos trazendo uma facilidade e incentivos a fim de transacionar para um transporte de zero emissões de carbono. Mas no Brasil, a gente tem a questão da desigualdade social, que precisa ser levada em consideração. Então todas essas políticas precisam ser pensadas de maneira integrada.

Como você enxerga a situação da mobilidade de hoje com a de anos atrás? Pode nos dizer se evoluímos?

O Brasil vem avançando em alguns quesitos desde a Política Nacional de Mobilidade Urbana (2012), mas a gente ainda tem uma deficiência de infraestrutura de mobilidade sustentável de média e alta capacidade nas cidades brasileiras. Precisamos acelerar algumas mudanças para ter impactos mais rápidos de melhoria no sistema de mobilidade e de qualidade de vida das pessoas. Tivemos exemplos de cidades que duplicaram suas ciclovias, como Fortaleza, que instalou pontos para bicicletas integrados ao sistema de transporte coletivo e de carros compartilhados, o que prioriza a mobilidade sustentável. Temos um outro exemplo, da cidade São José dos Campos, que comprou doze ônibus elétricos para operar e está em um processo para licitar todo o seu sistema, também para operar com frota elétrica. Isso me faz crer que temos avançado.

Que inovações ou tecnologias podemos esperar para os transportes que poderiam contribuir com a fluidez do trânsito?

A tecnologia é uma aliada para descarbonizar o nosso sistema de transporte. Temos dados que apontam que os sistemas de transporte nas cidades brasileiras, são responsáveis por 60%, em média, das emissões em nossas cidades. Pensar em sistemas descarbonizados passa pelo desenvolvimento e avanço da tecnologia em si. A tecnologia do elétrico é a mais madura que temos à disposição nesse sentido, tem progredido e avançará cada vez mais.

Acha possível a implantação de mini terminais de cargas com a finalidade de reduzir o volume de trânsito nas cidades?

Quando a gente pensa em cidades policêntricas, isso é ter bairros mais autossuficientes, com moradias, educação e trabalho, e a carga faz parte disso. Então sim, é possível ter mini terminais locais para a carga não precisar passar por toda a cidade. É uma ideia bastante interessante, mas é preciso pensar no todo, especialmente na estrutura em torno desses terminais. Quando a gente tem menos deslocamento de pessoas, a gente já pensa em menos deslocamento de cargas também.

Que mensagem você gostaria de deixar para os nossos leitores?

A gente deve priorizar políticas de desenvolvimento urbano de maneira associada. Buscar as oportunidades de participar dos planos diretores das cidades, que é um planejamento de como a nossa sociedade vai crescer. Precisamos fomentar cidades, onde haja uma distribuição maior de empregos, em que as indústrias não estejam todas concentradas em uma única região. Fazer com que dentro de um mesmo bairro seja possível trabalhar, estudar e morar, para não haver tanto deslocamento e tantos impactos negativos resultantes destes deslocamentos. Nisso, um transporte de cargas mais integrado tem um papel fundamental, para que as pessoas possam ter a facilidade de ter uma encomenda ou produto, não só à disposição no comércio, mas se preferirem, até na porta de casa. 

 

 

 


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