Urubatan Helou: ‘Manter a desoneração, é acima de tudo, um ato cívico’
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O presidente da Braspress Transportes Urgentes compartilhou com a Revista SETCESP sua história de vida e seu ponto de vista sobre política, transporte e entidades. A entrevista a seguir reflete sua opinião na íntegra, sem edições, conforme solicitado

Como foi sua trajetória no transporte e quais foram os principais desafios que enfrentou ao longo do tempo?

Tenho mais de 50 anos na área de transporte. Como empresário comecei com iniciativas bem humildes, uma delas era a Transfilme, na qual se fazia a coleta e distribuição de filmes, com o uso de triciclos. Quando a Transfilme começou a crescer um pouquinho mais, me retirei dessa sociedade.

Em 1977 fundei a Braspress, que também começou pequena, na época tinha somente uma Kombi, um caminhão e duas linhas telefônicas. Esses foram os recursos que tive para montar a empresa.

Durante minha a jornada não dá para lembrar de um único desafio, porque eles são diários. Sobretudo numa atividade como a nossa, que tem esse binômio ‘capital muito intensivo e de baixa remuneração’, é um leão por dia que você tem que matar. E o dia que esse leão não aparece, você tem que procurar ele, para efetivamente matá-lo, senão, ele acaba te emboscado e te engolindo.

Passamos vários momentos de flerte com o fracasso. Alguns planos econômicos e o Plano Collor, que trouxe um desaquecimento muito forte à economia. Chegamos próximos da falência. Mas, na época, já era um empresário experiente. Sabia quais eram os caminhos da retomada. Fizemos toda a reestruturação que precisávamos. E a partir de 1993, passados três anos do Plano Collor, começamos o nosso processo de retomada e de recuperação.

Em 1994, vem a estabilidade da moeda através do Plano Real e deixamos de sofrer os choques heterodoxos da economia, conseguimos retomar e ser o que somos hoje. Mas os desafios são todos os dias.

Qual é a fórmula para fazer com que um negócio familiar seja perene?

Não tem uma fórmula mágica. Você só faz isso se tiver um real processo de profissionalização dentro da companhia.

Tem pequenas empresas, nas quais a sucessão é automática, porque são de baixa complexibilidade, onde a família está integrada no processo do negócio. Portanto, esta sucessão acontece por osmose: a velha geração vai ficando já de idade e com a saúde comprometida, por isso os jovens vão assumir.

Já numa empresa maior, essa sucessão precisa passar por um processo de profissionalização do negócio. Quando você traz a profissionalização, está promovendo a governança no principal sentido de viabilizar um processo sucessório.

O transporte rodoviário movimenta mais de 60% das cargas transportadas no país. De que forma o setor pode assumir um protagonismo maior no cenário econômico brasileiro?

O transporte rodoviário de cargas já é um grande protagonista. Viemos de um processo de evolução muito forte. As grandes empresas da década de 60 e 70, eram oriundas de caminhoneiros que foram bem-sucedidos e montaram as suas transportadoras, porém, isso não se traduziu em uma gestão de profissionalização e governança. Pior do que isso, na época, o processo tecnológico era fechado. Tínhamos um negócio chamado Reserva da Informática, e isso fez com que as empresas de transportes, que necessitam de muita tecnologia na sua gestão, não tivessem acesso às tecnologias que o mundo todo tinha.

O Brasil era uma ilha, absolutamente isolada com a Reserva da Informática. Tudo isso para proteger uma única empresa de computação, chamada Cobra Computadores, que não trazia desenvolvimento nenhum. Isso não dava aos empresários acesso à tecnologia, que aliada à falta de formação acadêmica deles e a baixa governança, fizeram das empresas de transportes pouco representativas do ponto de vista de seu status empresarial.

Vieram as novas gerações de empresários, e a Reserva da Informática no Brasil se abre a partir da segunda metade dos anos 80. Quando isso acontece, as empresas começam a buscar tecnologia e também a se profissionalizar. Os profissionais da área de tecnologia começam a oxigenar também a gestão dessas companhias e a ter uma visão para governança. Assim, se estabelecem efetivamente as empresas que hoje estão aí no mercado. Temos hoje, empresas de transporte que estão na B3, com capital aberto e outras que estão em um processo de fusão muito interessante.

Quando houve a pandemia de COVID as empresas de transportes tiveram um papel fundamental em prol da sociedade e isso elevou o status delas. Hoje, ser empresário na área de transporte é ser um empresário reconhecido, coisa que não era no passado.

Lá em 2004, o senhor decidiu reativar a COMJOVEM SP. Qual a importância de ter uma comissão voltada aos jovens empresários e executivos do setor?

Preciso contextualizar um pouco esse assunto. A COMJOVEM foi criada no SETCESP, finzinho da década de 80, com o presidente Adalberto Panzan. Em uma reunião que tivemos — ele havia me convidado para ser diretor na gestão dele — sugeri: por que você não cria uma comissão para trazer os filhos de empresários do transporte? O Adalberto absorveu essa ideia e criou a COMJOVEM, por uma sugestão minha.

Só que quando criou a comissão, ele cometeu um erro natural de pai, queria indicar de todas as maneiras o filho, o Adalberto Júnior, para presidente da COMJOVEM. Havia outras lideranças jovens na época. O Adalberto Júnior era uma, só que o Carlos Mira, irmão do Roberto Mira, também era uma jovem liderança.

Quando houve a imposição por parte do presidente do SETCESP, de que o seu filho teria que ser o presidente da COMJOVEM, houve um racha. Uma parte da COMJOVEM seguiu o Carlos Mira, a outra, o Adalberto, e a COMJOVEM acabou.

Inclusive, quando ocorreu isso, o Adalberto era candidato a presidente da NTC&Logística e ganhou a eleição por muito pouco, porque revoltado com a indicação do filho para ser presidente da COMJOVEM, o Carlos Mira, com 20 e poucos anos, lançou uma chapa concorrente e quase ganhou.

Passam-se os anos, começo a montar minha chapa para a presidência do SETCESP, que assumi em 2004. Fui escolher os componentes, entre eles o Roberto Teixeira Neto, com quase 70 anos, o Braz Paulo Sales, também na casa dos 70 anos; esses morreram durante o meu mandato; Celso Salgueiro, já com uma certa idade. Enfim, tive uma baita dificuldade para montar, aí comecei a convidar alguns jovens, que felizmente se revelaram muito bons, como o Altamir da Pajuçara. Também chamei o Adalberto Junior para ser o meu vice e chamei o Carlos Mira para algum outro cargo.

Ao publicar a chapa, o Adalberto Junior se rebelou, me mandou uma carta dizendo que não estaria mais na chapa, se que o Carlos Mira também estivesse. Respondi para ele, a chapa é minha, quem está montando sou eu. A chapa já estava publicada, não tinha como tirar o nome dele, mas avisei que ele não seria mais meu vice.

Queria ele para ser o meu vice-presidente, porque gostaria de fazer valer a vontade do ‘Adalberto pai’, no sentido de ver o filho como uma grande liderança.

Tive que procurar outro vice e encontrei o Francisco Pelucio, um amigo de muitos anos. Então, quando começo meu mandado em 2004, fiz uma reflexão do que eu poderia fazer para os meus sucessores não passarem mais por isso.      

Passei a pensar na necessidade de criar sucessores e jovens lideranças para a gente poder efetivamente renovar as entidades de classe. Criei novamente a COMJOVEM. E foi um sucesso espantoso.

Cheguei a mandar uma mensagem para todos os pais, para eles encaminharem os seus filhos para a formação da Comissão. Na primeira reunião, já tínhamos mais de 30 membros. Abri essa reunião, e designei que a primeira atitude deles fosse que elegessem um coordenador.

Fui para o meu gabinete da presidência, passado umas duas horas, veio uma comissão formada pelo Roberto Mira Júnior e pelo André Ferreira, que me trouxeram o nome do Urubatan Júnior, meu filho, para ser o coordenador.

Lá no passado já havia ocorrido um erro. Não seria eu a cometer o segundo erro. Percebi claramente, que tinha ali lideranças jovens muito boas e, que eles colocaram o nome do Urubatan Júnior para ser o coordenador a fim de me agradar. Por isso, disse a eles o seguinte: se for eleito coordenadores da COMJOVEM, tanto o Urubatan Júnior quanto o Tayguara, estou desistindo de criar a comissão agora, portanto, voltem para a sala e escolham outro nome. Fizeram isso, e o escolhido foi o André Ferreira. Então, o que inspirou a criação da COMJOVEM foi quando montei minha chapa e eram sempre as mesmas pessoas, homens de 60 e 70 anos, e a COMJOVEM veio para trazer oxigenação às entidades.

E melhor do que isso é que, ao término do meu mandato, o Francisco Pelucio, pessoa que indiquei para me suceder no SETCESP, numa iniciativa brilhante, levou ao Flávio Benatti, presidente da NTC&Logística, na época, a ideia de criar uma COMJOVEM Nacional.

O Flávio estava vivendo um momento difícil na NTC com algumas dificuldades financeiras. Fundamentalmente, a NTC não podia se dizer naquele momento que era uma entidade nacional, porque lá atrás houve um racha em nosso setor. O norte e o nordeste ficaram separados da NTC. O Flávio, enxergou que por meio da COMJOVEM Nacional poderia fazer a integração entre as lideranças do país e aceitou a ideia e, deu certo.

Com profissões tradicionais no mercado, como médicos, advogados, engenheiros e outras disruptivas como youtuber, tiktokers e gamers — entre o cenário de tradição e evolução, como tornar o setor de transporte atrativo para o jovem?

Uma empresa de logística e de transportes é recheada por tecnologia. Se não houvesse os avanços que temos hoje, as empresas de transporte voltariam a ser aquelas dos anos 60, a qual eu me referi lá atrás, que fecharam porque não tinham acesso à tecnologia.

Logo, a própria atividade de transporte, por si só, já é um componente de atração muito forte para os profissionais dessa nova geração, que já é digital. E sendo a área de logística e de transporte grande consumidora de todas as tecnologias que aparecem, por consequência, isso passa a ser um atrativo.

Em outubro teremos as eleições municipais. Qual seria no momento a principal reivindicação do setor transportador para os municípios?

Este papel de reivindicação é das lideranças de classe, que hoje estão à frente das nossas entidades em todo o Brasil. Temos um espectro de representação muito forte. Desde a Associação Nacional, os sindicatos, as federações até a CNT.

Essas lideranças é que poderão indicar esses caminhos. Mas o fundamental é que possamos eleger prefeitos e vereadores que estejam aptos a entender que o caminhão não é um vilão na sociedade, ao contrário, ele é um bem de abastecimento social, como isso ficou bem claro na pandemia.

Ainda, falando de decisões políticas, quais as consequências para as empresas do setor, com a reoneração da folha de pagamento?

Como já mencionei, o nosso setor é de baixa remuneração. Se ranquearmos as empresas de transportes, a média de rentabilidade não chega a dois dígitos. A reoneração traz um quadro muito ruim, porque ela toma 4% do faturamento das empresas.

Se tomar estes 4%, você terá pelo menos 60% das empresas brasileiras falidas ou inadimplentes. Portanto, manter a desoneração é, acima de tudo, um ato cívico.

Até porque, quando fomos desonerados, isso se não me engano, em 2011, no governo da Dilma Rousseff, nós deflacionamos, ou seja, abatemos da nossa tarifa 2,6% do INCT (Índice Nacional do Custo do Transporte de Carga).

Então, para o no nosso setor, não houve desoneração, houve desburocratização do processo, o dinheiro não ficou no caixa das transportadoras.

Dá para realizar um ajuste fiscal sem aumentar impostos? Como?

Precisa de vontade política. Se você me perguntar o seguinte: dá para fazer um reajuste orçamentário numa empresa sem aumentar a receita? Direi que sim, é só cortar custos. Claro que em uma empresa é mais fácil, porque você não depende de ato político, e sim, de uma ação mais técnica e de decisão da diretoria.

No governo é mais complexo, depende de alinhamentos, mas se houver vontade política, é possível fazer a celebração de redução de despesa desse estado paquidérmico que nós temos. Um Estado pesado, oneroso, cheio de privilégios que podem ser cortados. Faz-se o ajuste fiscal, sem necessariamente aumentar impostos.

Uma pesquisa por amostragem deste ano apontou que o quadro de mulheres nas empresas de transporte é de 26%. A Braspress é conhecida por ser uma das primeiras na contratação de motorista mulheres. Como foi isso?

Mesmo no passado, as empresas utilizaram em seu quadro administrativo uma presença feminina, que não era grande, mas era importante. Até porque, na época, era mais barato contratar pessoas do sexo feminino, não era feito porque as empresas estavam pensando em fazer integração de gêneros. Em nossa empresa nunca tivemos este pensamento, o João ganhava o mesmo salário da Maria.

Em 1998, tivemos a iniciativa de fazer a contratação de motoristas mulheres. Não surgiu, inicialmente, de uma visão de inclusão, foi de marketing mesmo. Eu estava em Los Angeles [Estados Unidos], vi um ônibus articulado sendo manobrado brilhantemente por uma motorista jovem de 20 e poucos anos. Tive a impressão de que, se eu trouxesse para a Braspress uma motorista mulher fazendo entrega em shoppings centers, ela seria melhor recebida. Além do que, quando as pessoas olhassem para o nosso caminhão e vissem uma mulher dirigindo, falariam: nossa, que beleza essa empresa! Era marketing.

Trouxemos a primeira motorista e percebemos que com ela, a pastilha de freio era mais longeva e a cabine do caminhão mais bem cuidada. Aí contratamos a segunda, a terceira, a quarta.

Observamos que precisávamos preparar a empresa, instalar vestiários e aposentos para receber mulheres. Fomos preparando o ambiente interno e aumentando o nosso quadro de motoristas mulheres dentro da empresa.

A motorista mulher é muito mais apta a receber treinamento e capacitação do que o homem. Elas vão fazendo os cursos, aprimorando o conhecimento e os motores, pneus e embreagem vão durando mais. A concorrência para o homem chegou e o sarrafo subiu.

No começo dos anos 2000, chegamos a ter quase 40% de motoristas mulheres na nossa empresa. Hoje, são quase 300 motoristas mulheres dirigindo de bitrens a vans. Temos aqui dentro um programa de aprimoramento destas mulheres motoristas.

O senhor foi presidente do SETCESP entre 2004 e 2006. Tem alguma recordação especial da sua gestão que gostaria de compartilhar?

Os meus três anos de mandato foram excepcionais porque todos os dias eram dias de realização. Planejei ficar os três anos no SETCESP, aos quais me dediquei integralmente. Me afastei da empresa. Se era preciso, fazia lá na Braspress reuniões com os diretores no sábado, domingo, feriado ou à noite.

Isso porque soube reconhecer que todo o dinheiro que ganhei foi em função do transporte rodoviário de cargas. Assim, esses três anos que eu me dediquei à entidade foram uma forma de dizer: muito obrigado pelo que o setor fez por mim.

Durante o tempo que fiquei no SETCESP, disponibilizamos uma comunicação direta aos executivos e presidentes das empresas, eles falavam comigo por e-mail e telefone. Incentivamos a instalação de delegacias em Osasco, Santo Amaro e em Guarulhos. Fazíamos o SETCESP Itinerante, para ficar mais próximos dos empresários que não estão na região metropolitana. Criamos uma frente parlamentar composta por seis vereadores. Publicamos um livro para falar das barreiras fiscais. Fizemos eventos para mostrar as vísceras dos Correios. Fomos destaque no carnaval de 2005, sendo o transporte rodoviário de cargas tema de uma escola de samba, mostrando para o Brasil inteiro todas as nossas dificuldades. Tínhamos o Minuto do Transporte na Rádio Bandeirantes e em outras rádios. Lutamos pelo acesso do Terminal Fernão Dias, que não havia, buscando dinheiro do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] para as prefeituras de São Paulo e Guarulhos, bem como contratamos uma empresa para fazer pesquisas eleitorais sobre os candidatos com o fito de atrair Imprensa para as bandeiras do setor.

Eram conquistas sucessivas, mas se você perguntar se tem algum dia em específico, que eu me lembro, …foi o dia em que fui embora. O último dia da minha gestão. Este ficará para sempre na memória.

Como as entidades podem gerar mais valor para as suas empresas representadas e associadas?

Atualmente, nossas entidades estão passando por um processo de reciclagem. Está vindo uma turma jovem e os velhos estão com muita dificuldade de largar o cabresto. Precisamos fazer com que esta turma jovem que está chegando possa ter seus acessos e ascensão nas entidades liberados e incentivados, porque são eles que vão reoxigenar algumas ideias velhas e trarão o aperfeiçoamento para coisas novas.

Tem muito dirigente classista que está segurando a ascensão dos jovens empresários. Precisamos fazer com que tenham a consciência de que nenhum cargo é eterno.

Para finalizar, poderia deixar uma mensagem para o leitor da Revista SETCESP?

Existe uma série de frases motivacionais, mas todo o indivíduo que precisa efetivamente de uma motivação externa é uma pessoa limitada, porque as motivações a gente têm que buscar dentro da gente.

E, para você poder fazer com que o seu negócio seja de sucesso, você tem que estar permanentemente motivado e acreditar no seu negócio. Acredite no seu negócio, que ele efetivamente dará certo, seja o seu próprio gerador de energia.


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